(Existem duas: a "liberdade de imprensa" e liberdade de imprensa)
Nesse último período da campanha, quando as pesquisas apontam a possibilidade real de vitória da candidata de situação, em primeiro turno, setores da grande imprensa parecem ter decidido levar à risca a orientação de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de São Paulo, publicadas no jornal O Globo, em 18/03/10, e assumir a linha de frente da campanha de Serra. Nas palavras da presidente da ANJ, "... obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo."
Lida em março, essa declaração ainda poderia ser compreendida como um possível deslize, ou má articulação entre o pensamento e a fala, pois, verdade seja dita, a aposição não deixou de trabalhar um único minuto e atuou fortemente, especialmente contra todas as iniciativas do governo que criaram, ou ampliaram direitos aos setores mais vulneráveis da população. Essa preocupação com as dificuldades eleitorais da oposição também foi o assunto dominante no I Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado pelo Instituto Millenium, em março, no qual Arnaldo Jabor ensinava que o importante é “impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”, declaração secundada por outro arroz de festa desses ambientes, Reinaldo Azevedo, para quem é preciso “mudar uma certa cultura” e “passar a defender os valores que são da democracia, da economia de mercado e do individualismo”. Ou seja, a democracia é boa, desde que o pensamento conservador arbitre o que pode e o que não pode. Aceitam a democracia, desde que ela seja tutelada.
Colocada essa premissa, o próximo passo é responder sobre qual o sujeito político desta tarefa, já que os partidos de oposição estão fragilizados? A síntese das falas do referido seminário – que reuniu importantes representantes das seis famílias que controlam mais de 54% do que é publicado no país – foi feita por Jabor, para quem “a classe, o grupo e as pessoas ligadas à imprensa têm que ter uma atitude ofensiva e não defensiva [...] Nossa atitude tem que ser agressiva”. Parece que os setores mais conservadores cansaram – lembre do movimento Cansei, uma tentativa anterior de ação política oposicionista, com amplo apoio da mídia - de reclamar da postura não o suficientemente agressiva feita pelos partidos de oposição e decidiram assumir o protagonismo da ação política.
Quando o presidente Lula passou a tratar o tema e classificou de parcial a cobertura da grande imprensa, aconselhando que o melhor seria ela “assumir que tem um candidato e um partido” e não ficar “vendendo uma neutralidade disfarçada”, uma afirmação estritamente dentro do debate político e do direito de opinião, a reação foi virulenta, ao ponto do editorial do Estadão (23/09) anunciar a “erosão das bases da ordem democrática” e repicar o lamento da presidente da ANJ quanto à relutância da “candidatura oposicionista em arrostar o presidente em pessoa por seus desmandos”. Essa reação descontrolada a uma crítica política mostra o quanto a estratégia pensada para essas eleições pelos conservadores está naufragando.
É que a possível vitória de Dilma e de uma maioria de governadores e congressistas comprometidos com seu governo, desmonta a idéia de que o projeto iniciado por Lula não está fadado a terminar com o fim do seu governo, como sonharam esses setores. A estratégia de Serra foi, desde o princípio, a de desdenhar da candidata Dilma e tentar colocá-la como uma simples invenção, que como tal seria “desconstituída” por ele no embate eleitoral. Esse desejo ganhou alento com a vitória da oposição no Chile, que derrotou o candidato apoiado pela presidenta Bachelet, que também estava à frente de um governo amplamente bem avaliado. .
Ao ruir essa Bastilha de cartas e ter suas expectativas frustradas, a oposição ficou sem saber o rumo a tomar e escolheu o pior entre os caminhos possíveis, deixando-se capturar pelo setor mais retrógrado e belicoso do seu campo. Ao assumir esse caminho, ficou refém do discurso típico desse setor, que parece sempre estar vendo alguma conspiração contra a democracia e taxando como cooptação toda a ação de hegemonia política que desloca setores sociais do seu domínio político e ideológico. Ao assumir esse atalho, simplesmente abdicou de disputar projetos políticos e reduziu sua ação a repetir a cantilena de que as instituições democráticas estão em risco.
Há um paradoxo entre a escalada midiática de produção de medos e riscos à democracia e o ambiente social real do país. Estamos vivendo o nosso mais longo período de democracia e alcançamos indicadores econômicos e sociais que alicerçam uma ampla expectativa positiva da sociedade quanto ao futuro; o presidente vai passar a faixa presidencial para a candidatura vitoriosa nas urnas e não foi seduzido pelo “canto de sereia” do terceiro mandato, que a sua extraordinária popularidade poderia viabilizar. Além disto, todas as instituições e grupos sociais possuem ampla liberdade e temos uma cidadania vigorosa, que está cada vez mais tendo canais de participação da vida pública.
A reação da grande imprensa, portanto, não tem nada de defesa da liberdade de imprensa, que nunca foi tão intocada. Esse tema serve apenas como argumento para justificar a sua decisão de assumir papel protagonista no processo eleitoral. Tanto é assim, que não se viu qualquer reação desses meios, quando Demétrio Magnoli – figura obrigatória quando se trata de preocupação com os riscos à democracia e combate às políticas afirmativas para os negros – publicou longo artigo na Folha de São Paulo, no qual acusa dois jornalistas do próprio jornal por “falsear deliberadamente a história como faz o panfleto disfarçado de reportagem publicado nesta Folha”, assumindo a defesa da versão de que a escravidão era um item da pauta de exportação africana. Não contente com esse ataque, ele ainda chamou os repórteres de “engajados” e de que estão “a serviço de uma doutrina tentam fazer da história um escândalo”. O título do artigo não é outro do que “o jornalismo delinqüente”. O silêncio dos jornais diante dessa investida inédita e intimidadora, não combina em nada com a reação nervosa contra a fala do presidente.
O presidente é o guardião da Constituição e das instituições, não havendo qualquer indício de que não esteja cumprindo à risca suas obrigações constitucionais. A questão é que ele não abdicou do papel de líder político e o cumpre com grande determinação e reconhecimento público, contrariando a expectativa daqueles que o queriam distante da disputa dos projetos que verdadeiramente distinguem os campos políticos em disputa no país, o que facilitaria a estratégia tucana de transformar as eleições numa disputa pessoalizada e despolitizada. Agora, acabo de ler o editorial do Estadão, no qual cede à sugestão do presidente Lula e, finalmente, assume que está com Serra. Agora, agora tudo fica mais claro e, mesmo que tardia, a verdade sempre ajuda a fortalecer a democracia.
Aliás, nos Estados Unidos, a diretora de Comunicações do governo, recentemente declarou que, ao falar para a Fox (grande rede de comunicações), o presidente Barack Obama “já sabe que estará como num debate com o partido da oposição”. Não há notícia de que esteja havendo uma erosão das instituições democráticas naquele país, ou um liberticídio.
Gerson Almeida é sociólogo.
Lida em março, essa declaração ainda poderia ser compreendida como um possível deslize, ou má articulação entre o pensamento e a fala, pois, verdade seja dita, a aposição não deixou de trabalhar um único minuto e atuou fortemente, especialmente contra todas as iniciativas do governo que criaram, ou ampliaram direitos aos setores mais vulneráveis da população. Essa preocupação com as dificuldades eleitorais da oposição também foi o assunto dominante no I Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado pelo Instituto Millenium, em março, no qual Arnaldo Jabor ensinava que o importante é “impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”, declaração secundada por outro arroz de festa desses ambientes, Reinaldo Azevedo, para quem é preciso “mudar uma certa cultura” e “passar a defender os valores que são da democracia, da economia de mercado e do individualismo”. Ou seja, a democracia é boa, desde que o pensamento conservador arbitre o que pode e o que não pode. Aceitam a democracia, desde que ela seja tutelada.
Colocada essa premissa, o próximo passo é responder sobre qual o sujeito político desta tarefa, já que os partidos de oposição estão fragilizados? A síntese das falas do referido seminário – que reuniu importantes representantes das seis famílias que controlam mais de 54% do que é publicado no país – foi feita por Jabor, para quem “a classe, o grupo e as pessoas ligadas à imprensa têm que ter uma atitude ofensiva e não defensiva [...] Nossa atitude tem que ser agressiva”. Parece que os setores mais conservadores cansaram – lembre do movimento Cansei, uma tentativa anterior de ação política oposicionista, com amplo apoio da mídia - de reclamar da postura não o suficientemente agressiva feita pelos partidos de oposição e decidiram assumir o protagonismo da ação política.
Quando o presidente Lula passou a tratar o tema e classificou de parcial a cobertura da grande imprensa, aconselhando que o melhor seria ela “assumir que tem um candidato e um partido” e não ficar “vendendo uma neutralidade disfarçada”, uma afirmação estritamente dentro do debate político e do direito de opinião, a reação foi virulenta, ao ponto do editorial do Estadão (23/09) anunciar a “erosão das bases da ordem democrática” e repicar o lamento da presidente da ANJ quanto à relutância da “candidatura oposicionista em arrostar o presidente em pessoa por seus desmandos”. Essa reação descontrolada a uma crítica política mostra o quanto a estratégia pensada para essas eleições pelos conservadores está naufragando.
É que a possível vitória de Dilma e de uma maioria de governadores e congressistas comprometidos com seu governo, desmonta a idéia de que o projeto iniciado por Lula não está fadado a terminar com o fim do seu governo, como sonharam esses setores. A estratégia de Serra foi, desde o princípio, a de desdenhar da candidata Dilma e tentar colocá-la como uma simples invenção, que como tal seria “desconstituída” por ele no embate eleitoral. Esse desejo ganhou alento com a vitória da oposição no Chile, que derrotou o candidato apoiado pela presidenta Bachelet, que também estava à frente de um governo amplamente bem avaliado. .
Ao ruir essa Bastilha de cartas e ter suas expectativas frustradas, a oposição ficou sem saber o rumo a tomar e escolheu o pior entre os caminhos possíveis, deixando-se capturar pelo setor mais retrógrado e belicoso do seu campo. Ao assumir esse caminho, ficou refém do discurso típico desse setor, que parece sempre estar vendo alguma conspiração contra a democracia e taxando como cooptação toda a ação de hegemonia política que desloca setores sociais do seu domínio político e ideológico. Ao assumir esse atalho, simplesmente abdicou de disputar projetos políticos e reduziu sua ação a repetir a cantilena de que as instituições democráticas estão em risco.
Há um paradoxo entre a escalada midiática de produção de medos e riscos à democracia e o ambiente social real do país. Estamos vivendo o nosso mais longo período de democracia e alcançamos indicadores econômicos e sociais que alicerçam uma ampla expectativa positiva da sociedade quanto ao futuro; o presidente vai passar a faixa presidencial para a candidatura vitoriosa nas urnas e não foi seduzido pelo “canto de sereia” do terceiro mandato, que a sua extraordinária popularidade poderia viabilizar. Além disto, todas as instituições e grupos sociais possuem ampla liberdade e temos uma cidadania vigorosa, que está cada vez mais tendo canais de participação da vida pública.
A reação da grande imprensa, portanto, não tem nada de defesa da liberdade de imprensa, que nunca foi tão intocada. Esse tema serve apenas como argumento para justificar a sua decisão de assumir papel protagonista no processo eleitoral. Tanto é assim, que não se viu qualquer reação desses meios, quando Demétrio Magnoli – figura obrigatória quando se trata de preocupação com os riscos à democracia e combate às políticas afirmativas para os negros – publicou longo artigo na Folha de São Paulo, no qual acusa dois jornalistas do próprio jornal por “falsear deliberadamente a história como faz o panfleto disfarçado de reportagem publicado nesta Folha”, assumindo a defesa da versão de que a escravidão era um item da pauta de exportação africana. Não contente com esse ataque, ele ainda chamou os repórteres de “engajados” e de que estão “a serviço de uma doutrina tentam fazer da história um escândalo”. O título do artigo não é outro do que “o jornalismo delinqüente”. O silêncio dos jornais diante dessa investida inédita e intimidadora, não combina em nada com a reação nervosa contra a fala do presidente.
O presidente é o guardião da Constituição e das instituições, não havendo qualquer indício de que não esteja cumprindo à risca suas obrigações constitucionais. A questão é que ele não abdicou do papel de líder político e o cumpre com grande determinação e reconhecimento público, contrariando a expectativa daqueles que o queriam distante da disputa dos projetos que verdadeiramente distinguem os campos políticos em disputa no país, o que facilitaria a estratégia tucana de transformar as eleições numa disputa pessoalizada e despolitizada. Agora, acabo de ler o editorial do Estadão, no qual cede à sugestão do presidente Lula e, finalmente, assume que está com Serra. Agora, agora tudo fica mais claro e, mesmo que tardia, a verdade sempre ajuda a fortalecer a democracia.
Aliás, nos Estados Unidos, a diretora de Comunicações do governo, recentemente declarou que, ao falar para a Fox (grande rede de comunicações), o presidente Barack Obama “já sabe que estará como num debate com o partido da oposição”. Não há notícia de que esteja havendo uma erosão das instituições democráticas naquele país, ou um liberticídio.
Gerson Almeida é sociólogo.
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