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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Jorge Luis Borges e "O Aleph" brasileiro de Paulo Coelho - Por José Pires


Há alguns dias soube que Paulo Coelho estava para publicar um novo livro, cujo lançamento oficial é neste sábado. O nome é "O Aleph" e foi uma surpresa para mim. "O Aleph" é um livro de Jorge Luis Borges, que tem de tempo de publicação apenas um ano a menos que a idade de Paulo Coelho. "O Aleph" de Borges, foi publicado em livro em 1948 pela Editorial Losada, de Buenos Aires. Vejam a capa aí em cima. Ao lado está a edição italiana da Feltrinelli. É de onze anos depois, 1959, mas bem antes do livro do brasileiro.

Em arte, a pretensão é sempre proporcional à mediocridade do artista, porque em grande parte é sempre fruto de falta de conhecimento. Alguém que escreve tão mal como Paulo Coelho jamais publicaria livro algum se tivesse capacidade de compreender isso. O seu “O Aleph brasileiro” pode vir daí. Coelho ainda procura escamotear a apropriação de um título que já faz parte da história da literatura. Segundo o que li por aí, ele teria feito uma relação com Borges nesta obra, que também não seria de ficção. Mas não vou conferir. Para mim a capa do livro com o título já revela a fajutice.

Harold Bloom, que sabe tudo de literatura, fez um livro de nome "Gênios", onde juntou os 100 autores que ele julga os mais criativos da história da literatura. Jorge Luis Borges é um desses autores. Não gosto de listas, mas opinião mais válida que a de Bloom não existe. “Jamais me recuperei do golpe que sofri da primeira vez que li Borges, cerca de 40 anos atrás”, ele diz. Neste livro, ele fala de “O Aleph”. É um dos contos mais conhecidos da literatura universal e uma marca estilística da obra do escritor.

O manuscrito de "O Aleph" foi dedicado a Estela Canto, uma escritora de certo peso histórico na Argentina e por quem Borges era apaixonado. Na época, ele fazia a ela uma corte desajeitada. Sua  relação tem momentos patéticos, com dificuldades emocionais hoje parecem até cômicas e que parecem ser de fundo sexual. Ele não chegou a se casar com a musa, que anos depois vendeu os preciosos papéis na Sotheby's por U$ 27.770. Soube do preço lendo um livro mais recente, de Alberto Manguel, onde, entre outros ensaios, ele publica um muito bom sobre o escritor argentino.

Para quem, não sabe, desde jovem, o escritor argentino foi muito ruim da vista. Praticamente não enxergava nada. Manguel leu livros para um Borges quase cego, em 1966. Num largo período, ele ia às noites ao apartamento do escritor e lia obras para ele, retiradas de sua magnífica biblioteca. Fazia isso de graça, uma situação que decerto até podia ser vista como privilegiada, pois o grande escritor também não cobrava nada.

Ele conta que de vez em quando Borges parava a leitura e comentava sobre o livro, mais para si mesmo. Manguel, que tinha plena consciência do momento rico que vivia, escreve que dessa forma o escritor lhe oferecia "uma edição particular anotada de seus clássicos". O livro onde ele repassa uma visão muito especial e bem particular não só desta relação, mas também sobre outros assuntos, está em "No Bosque do Espelho", da editora Companhia das Letras.

Borges foi um homem impressionante. Um escritor pode ser muito bom sem ser uma figura interessante. Ele era os dois. Tenho um outro livro feito de conversas entre ele e o jornalista Osvaldo Ferrari, transmitidas pela Rádio Municipal de Buenos Aires no ano de 1948, que é uma jóia preciosa. Quantas vezes não reli com imenso prazer estes diálogos tão interessantes. Tenho a impressão que Borges sempre viveu em um plano especial, como se fosse uma outra dimensão. Passar isso para a escrita parecia ser apenas parte dessa existência interior tão rica.

Seus comentários sobre as pessoas, suas antigas amizades e até sobre os escritores que ele admirava, são sempre muito originais. É um prazer e até muito perigoso para quem também escreve, pois é sempre uma forma tão deliciosa de se referir à tudo, que pode ser imensa a tentação de fazer igual.

Por sinal, estava lendo, ou melhor, relendo esta beleza de livro, quando fiquei sabendo dessa besteira sobre o "O Aleph brasileiro". Não me espanta uma asneira dessas vinda de Paulo Coelho, mas que uma editora aceite algo assim vai além do aval a um autor de reconhecida mediocridade com a publicação de sua obra. Neste caso, a editora coloca sua credibilidade em risco internacionalmente. E a desorientação fica até engraçada numa editora de nome Sextante — a casa que publica o absurdo título.

Paulo Coelho não precisaria começar a publicar livros para eu achar de baixa qualidade o que ele faz. Para isso já bastavam aquelas músicas cretinas com Raul Seixas. Mas ele já foi muito bem definido como escritor por essa figura especial que foi José Mindlin, um homem que sabia tudo sobre livros e que, intrigado com tanto sucesso, pegou uma obra dele, leu e depois deu a opinião definita:: Paulo Coelho está para a literatura assim como Edir Macedo está para a religião.

Mas, de qualquer forma, publicando "O Aleph" agora, mais de 60 anos depois de Jorge Luís Borges publicar um livro com o mesmo nome e que, ainda por cima, é o título de uma de suas histórias mais conhecidas, Paulo Coelho abre um campo vasto para sua, digamos assim, literatura.

Pensem só nas oportunidades; Ana Karenina, Os Irmãos Karamazov, O Velho e o Mar, A Educação Sentimental, Macbeth, A Cartuxa de Palma, Ulisses, Os Miseráveis, O Amante de Lady Chatterley, Vinhas da Ira, O Som e a Fúria, e por aí vai. Com certeza a obra de Paulo Coelho vai ser enriquecida com títulos inesquecíveis.
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POR José Pires

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