Sinopse: Homossexuais são bem-vindos no reino de Deus? Durante séculos, a bíblia foi usada para justificar discriminação, repressão, injustiça - a subserviência da mulher, a escravidão, a segregação. E esta tradição continua nos dias de hoje, só mudou o alvo. Alguns poucos trechos da bíblia são usados constantemente para disseminar ódio e violência contra homossexuais. Através de cinco retratos íntimos de famílias cristãs com um membro gay ou lésbico, o filme explora a maneira como religiosos conservadores tentam convencer sistematicamente os fiéis a acreditarem que a bíblia proíbe o homossexualidade. Também investiga o que a bíblia de fato fala sobre o homossexualidade conhecido nos dias de hoje.
Título original : For the Bible Tells Me So•Direção: Daniel G. Karslake • Roteiro:Daniel G. Karslake, Helen R. Mendoza• Gênero:Documentário• Origem: Estados Unidos • Duração: 95 minutos • Tipo: Longa-metragem • Idioma: Inglês/legendado. IMDb do filme.
Os dias de ensaio. Tantas histórias. Muitas. Dias de ensaio. Em geral comuns, cotidianos, louça lavada ou por lavar. Convivências diárias. Boas, ruins, todas. A gripe de um, o aniversário de outro, o beijo entre uma cena. E a outra. O dente que dói, o sapato que aperta, o ônibus que atrasou, sorry. Dias de ensaio. A neblina das ruas quando inverno, a cidade baixa. O jantar tardio no Copa, aquele concerto de vozes. Às vezes, o bar do Beto, outras, um lugar comum. E as conversas, as conversas. As conversas. De tudo, de todos. Quem comeu quem. Quem não comeu ninguém. A vaca amarela. Os dias de ensaio. Os atrasos, a chuva, a morte do tio, o nascimento do afilhado. A briga com a empregada, com o filho, com Deus. A briga consigo mesmo. A depressão: hoje eu não saio, hoje eu não ensaio. Dias de ensaio: uma, duas, três semanas. Os medos rondando. O meu, o nosso. Um, dois, três meses. Os medos, nós crianças. Até crescermos. E estrearmos.
Nas noites de frio, os cachorros latem. Latem porque a noite dói no coração do mundo. Latem para esquentar o nariz. Latem porque quem late seus males espanta. Latem em grego, em cachorrês, em latim. Latem porque a lua, alguém tem que fazer alguma coisa com a lua, aquela coisa imensa, redonda, aquela coisa branca enorme donde vem todo o frio que faz a madeira das casas estalar, malassombradas. Então os cachorros latem mais.
E, depois, latir, comer e coçar, é só começar. Você começa a latir por algum motivo. Depois, não precisa mais motivo. E você late, late, late, até ficar rouco. Há casos de cachorros que enlouque-ceram de tanto latir. Latir tem começo, mas não tem fim. Há casos de cachorros ótimos que latiram tanto, tanto, mas tanto, até sair sangue da garganta, latiram a noite inteira até a última gota de sangue, latiram até morrer como cantam as cigarras. Nada como um cachorro latindo para acordar todos os cachorros da vizinhança, do bairro, da cidade, os latidos em ondas se espraiando de bairro para bairro, os últimos latidos indo morrer lá nos confins da aurora em Colombo, São José dos Pinhais ou Santa Felicidade. Latir é de graça, como o ar agudo que se respira nas noites de inverno, como a lua que se veste da nuvem que bem entende, como falar sozinho.
Latir não dá lucro. Ninguém late para anunciar, cachorro alto, moreno, bonito e sensual procura cadela idem para fazer uma noite de amor e uma ninhada de cachorrinhos. Ninguém late para fechar negócios, procura-se um osso com bastante carne, oferece-se uma lambida para quem fornecer uma pista. Late-se porque não há outro jeito. Latindo ou não latindo esta será sempre uma vida de cachorro. Pelo sim, pelo não, melhor latir. Quem late, não tem intenções artísticas. Não se late como quem canta. Um cachorro que latisse como quem entoa a ária “Vita di Cane” da ópera “‘Totó” seria imediatamente vaiado por latidos de oito bairros. Cachorros latem todos iguais. Tão igual que nem se pode dizer, a rigor, que este ou aquele cachorro late. A noite late. Late-se e pronto. Um latido na noite é uma coisa universal, genérica, abstrata como um teorema, au mais au igual a au-au.
Late-se a noite inteira porque, de dia, só se late para defender o osso de cada dia, late-se contra, late-se para criar distâncias, late-se contra o carteiro, contra a visita, contra o rival no amor da cadela ou na fome da paixão pela carne. Late-se para defender a casa, essa extensão natural da lata de lixo. Ao anoitecer, estamos exaustos de tanto latir, latir em vários idiomas, em raiva, em ódio, em fome, em medo. Então, dormimos. E sonhamos. Com uma linda cadela de rabo abanando, e as partes trescalando aromas como um fim de churrascada? Nada disso. Sonhamos que estamos latindo. Latindo de graça. Latindo pra nada. Latindo pela paixão ancestral de latir. Latir nas florestas primordiais, úmidas de ecos, olhos e grandes batalhas noturnas entre todas as ferocidades. Latir pelo prazer de estilhaçar o silêncio em mil caquinhos de latidos, nas planícies geladas açoitadas pelo vento, as planícies distantes, perdidas na memória obscura de todos os cachorros.
E, nesse sonho, latimos tanto que acordamos, a lua já alta, a noite fria, o nariz ardente, azul como as estrelas mais doloridas. Chegou a hora. É sexta-feira 13, agosto, mês de cachorro louco, noite perfeita para latir, latir loucamente, latir como antigamente, como quando a gente vagava em bando pelas florestas, farejando carne, carne viva, sangue pulsando nos buracos das delícias, latir com a boca escorrendo sangue doce, latir dizendo sim, sim, é assim, e assim é bom. É por isso que os cachorros latem. Afinal, os cachorros latem por qualquer coisa. E os latidos penetram no sonho das crianças que sonham que os cachorros estão atacando, a casa está cercada de cachorros, muitos cachorros em volta da cama. E as crianças choram no meio da noite, e acordam os cachorros. Um cachorro, quando acorda, a primeira coisa que faz é latir. Latir para limpar a garganta. Latir para dizer, “Jesus Cristo, eu estou aqui”. Latir é a coisa mais simples do mundo. É só abrir a boca, e deixar o coração falar, e lá estão os corações latindo tudo o que um cachorro sente.
Desde a época do lobo, as melhores inteligências caninas têm se dedicado a investigar por que os cachorros latem na madrugada. É sobre isso que muitos cachorros estão pensando quando sentam nas patas de trás, ou se deitam ao sol para pegar um calorzinho. Sobretudo, é o último tema de meditação dos cachorros velhos, quando sentem a morte se aproximando, pé ante pé como um gato.
Paulo Leminski
Mas apesar desses esforços de incontáveis gerações de cachorros, nenhum buldogue, pastor alemão, dobermann, pequinês, dálmata, poodle ou vira-lata, conseguiu ir além do óbvio, que a gente é cachorro mas não é burro, e o óbvio, sempre, é o lugar mais quentinho, mais abrigado da chuva e do vento.
Os cachorros latem porque um outro cachorro latiu.
Texto do Livro "Gozo Fabuloso", de Paulo Leminski, p. 87. Sugestão dada pela escritora Jéssica Parizotto.
Piorou. Hã? Piorou. Hum? Pirou, pirou.
Xaropou. Não diz coisa. Com coisa. A bolacha.
Nada com nada. Coitado! Hã? Coitado!
Fulminante. Deu derrame. A bolacha. Passa.
Ficou caduquinho. Tira a roupa. O quê?
Não estou ouvindo. Dizem que fica nuzinho.
Nu? Nuzinho. Hum, hum. Deve ficar uma graça.
Nuzinho. Só tem osso. De quê? Camomila.
Hã? Não ouço. Ca-mo-mi-la. Obrigado. É a vida.
É a vida. E o que disse o neto? Vovô não volta.
Hum? Não tem melhora. E agora? A manteiga.
Está bom, está bom. Chega. Um pouco quente.
De repente, não foi? Foi. De repente. Pode
acontecer com qualquer. Hum, hã? Passa a
colher. Pois é. Torta. A língua caída. Molenga.
Lembra do outro? Lembra? Biscoito fino.
Quando viu já estava morto. Pimba! Pumba!
Com a cara no chão. A bruxa anda solta.
Meu Deus! O quê? Eu disse que a bruxa
anda solta. Lá vem ela. Hum, hum. Hoje
vamos fazer uma homenagem. Mais alto.
Uma homenagem. O discurso de sempre.
Argh! Nem morreu. Amigos. Hum, hum.
E nhec, nhec. Amém. Plec. É possível que ele
não resista. Não resista. Blablá. Já não estava
lá essas coisas. Lembra? Hã? Lembro. Mais
um pouco. Obrigado. Não reconhece ninguém.
Nunca foi o forte dele. O quê? Nunca foi o forte dele.
Reconhecer. É. Hum. Sei que não é hora.
Isso não é hora. De falar de boca cheia. Hã,
hein? Rezemos. Agora mais essa. Lá vem ela.
Pai-Nosso. Nunca foi um santo. Santificado
seja o vosso nome. Ateu. Silêncio. Parece que
nunca leu o que ele escreveu. Hã? O pão nosso
de cada dia nos dai. Flump. Vapt. Hum. Hum.
Nhec. De quê? Hã? Frutas vermelhas. Fru-tas
ver-me-lhas. Não tem jasmim? É o fim.
Agradecido. É o fim. E o doce? O que é que tem?
Cadê o docinho? Nhec, nhem, nhum. E o que
mais? Xiii. Mija em tudo que é lugar. Eu disse
que ele mija em tudo que é lugar. Triste. O neto
disse também. Hã, hein? O neto disse também
que ele está tão mal. Mas tão mal que anda
comendo. Posso falar? O quê? Pirou. Hum, hum.
Excremento. Como? Cocô. Como? Torcilhão.
Argh! Veja bem. Não é coisa de falar à mesa, uma
indelicadeza. Eu avisei. O quê? Eu avisei. Avisou?
Rã. Coitado! Que coisa! Meu Deus! De que é?
Fios de ovo. Uma delícia, delícia. Obrigado.
Esse não vai longe. Não vai. O guardanapo voou.
Meu guardanapo voou. Aqui, ó. Voou. Agora
deu para ver fantasmas. O quê? Agora ele deu
para ver fantasmas. Fantasmas? Espectros.
Fica apontando para o teto. Machado, Machado,
Machado. Fica chamando pelo Machado.
O outro pelos anjos do Augusto. Lembra? Credo!
Sei não. Desta semana ele não passa. Não passa.
Uma pena! Lamentável! Vai deixar uma grande
obra. O quê? Eu disse que ele vai deixar uma
grande obra. É. No meio do caminho tinha uma
minhoca. E agora? Hã? E agora, o que a gente vai
fazer? Comer. Hum, hum. E beber. O que tem
de gente querendo entrar. É. Criticam, criticam.
Mas querem participar. Hã? Deste nosso chá.
De quê? De rosas. Chá de quê? De rosas. Todo
mundo já está de olho na cadeira dele. Na
cadeira dele. O quê? Eu disse cadeira de rodas.
P.S.: Texto transcrito ipsis litteris do livro "Rasif, mar que arrebenta", de Marcelino Freire, 2008, p. 80.
“Um dos maiores clássicos da ficção científica mundial e um dos expoentes máximos do cinema expressionista alemão da década de 20, Metrópolis, filme mudo dirigido por Fritz Lang em 1927, impressiona até hoje por seu visual futurista. Com cenários e efeitos especiais fantásticos, descrevendo uma enorme megalópole controlada por poderosos industriais, utilizando uma imensa força de trabalho braçal de uma população renegada e condenada à escravidão, para manter sua oponência e grandiosidade.
Na cópia lançada em vídeo VHS no Brasil pela Continental, os seus longos 140 minutos mostram um espetacular show de imagens que muito influenciariam toda a história da ficção científica posterior, desde a concepção das imensas cidades do futuro, a apresentação de um dos mais famosos robôs de todos os tempos, quanto à estrutura política com seus regimes totalitários dividindo radicalmente a elite do proletariado. O ano é 2026 no filme, exatamente cem anos a frente de sua produção.
Nesse futuro obscuro, o mundo está dividido em duas classes sociais extremamente distintas, a elite dominante representando a mente que planeja, vivendo na superfície em imensas estruturas arquitetônicas rodeadas por um fluxo constante de trens, carros e veículos voadores, e os operários que representam a mão que constrói, vivendo como escravos em sua cidade nas profundezas muito abaixo do solo. Entre eles estão as grandiosas máquinas enterradas no subsolo, porém ainda assim muito acima do lar dos operários, que funcionam para manter o conforto e prazer dos lordes de Metrópolis, operadas ininterruptamente pelos trabalhadores prisioneiros.
Essas monstruosas máquinas, típicas dos filmes de Ficção Científica antigos, eram repletas de grandes alavancas de acionamento, luzes piscando para todos os lados, painéis enormes cobertos de relógios, mostradores analógicos, manípulos e válvulas de todos os tipos. Elas representavam a energia que mantinha o luxo para os ricos de Metrópolis e, ao mesmo tempo, eram os instrumentos de tortura para os pobres que a operavam incessantemente. Considerados à margem da civilização, os trabalhadores contém seu compreensível desejo de revolta graças à liderança espiritual da filha de um deles, Maria (Brigitte Helm), que prega a paz conciliadora entre as classes sociais em reuniões regulares com a massa trabalhadora, nas antigas catacumbas ainda mais abaixo da cidade dos operários.
Em suas palestras, ela pede a paciência deles em aguardar pacificamente o surgimento de alguém de “coração” que fará o papel de mediador para o entendimento entre os criadores de Metrópolis, o “cérebro que planeja”, e o proletariado, “as mãos que constróem”. Quando Freder (Gustav Frohlich), o filho de um importante dirigente da cidade, John Fredersen (Alfred Abel), conhece e se apaixona por Maria, tem início uma grandiosa e incansável luta de igualdade de classes. Ele vai até as profundezas para conhecer a vida dos trabalhadores e testemunha um horrível acidente em uma das enormes máquinas, que explodiu devido à falha de um dos operários que desmaiou exausto, causando destruição com vários mortos e feridos.
Como algo rotineiro e insignificante, a máquina logo é consertada e novos grupos de operários rapidamente voltam a movimentá-la. Indignado com o que presenciou, Freder se infiltra entre eles trocando sua identidade com um dos operários, sentindo na pele sua torturante jornada de trabalho e conhecendo sua rotina de vida diária sem liberdade. Enquanto isso, o industrial John Fredersen descobre a existência de mapas das antigas catacumbas nos uniformes dos operários mortos no acidente com a máquina e presencia uma das pregações da líder Maria, juntamente com o cientista “louco” Rotwang (Rudolph Klein-Rogge), criador de um fantástico robô, que revolucionaria num futuro breve substituindo os trabalhadores por máquinas parecidas com o homem, com a vantagem de não se cansarem, reclamarem ou precisarem se alimentar.
O dirigente de Metrópolis solicita então ao cientista que aprisione Maria e fizesse um clone dela com o andróide que ele criou, com o objetivo dela se infiltrar entre os trabalhadores substituindo a Maria real e alterando seu discurso de paz, incitando-os à discórdia, violência e a destruição das máquinas. Os operários logo partem para uma revolta e uma imensa massa passa a destruir as máquinas ocasionando a explosão dos reservatórios de água que inundaram sua cidade subterrânea colocando em risco suas próprias famílias. Ao perceberem o erro que cometeram, eles se voltam contra o andróide de Maria que os incitou à destruição, e o queimam numa estaca como uma bruxa da antiga inquisição européia.
Na fogueira, com a ação das chamas o robô retorna a sua imagem original, uma espécie de armadura de aço, causando surpresa aos trabalhadores motinados. Nesse momento, a verdadeira Maria consegue escapar do laboratório de Rotwang e encontra Freder, onde juntos conseguem salvar os filhos dos operários da inundação da cidade e avisam a eles que suas famílias estavam a salvo, acalmando sua fúria, mas não impedindo uma forte luta entre o jovem e herói Freder e o cientista “louco” Rotwang que os leva até o topo de um prédio e culmina com a morte do cientista numa queda fatal.
Finalmente a massa de trabalhadores, liderados pelo capataz do dínamo central, a principal máquina que mantém Metrópolis, e o dirigente John Fredersen se reúnem para uma conciliação, o que se efetiva através do “coração mediador” de Freder, que une as mãos de ambos num aperto que selaria a paz e convivência com igualdade social.
O que é mais expressivo nesse clássico do cinema fantástico é inegavelmente os grandiosos cenários e o visual impressionante de uma metrópole futurista, que se sobrepõe ao roteiro e às interpretações do elenco. As cenas também da transformação do sensual robô no clone de Maria são épicas e antológicas, estando entre as mais significativas e inesquecíveis da história da ficção científica no cinema. O laboratório do cientista “louco” Rotwang apresenta todos os elementos característicos da FC da época, com enormes máquinas elétricas, eletrodos, alavancas, botões, equipamentos químicos, etc., que influenciariam inúmeras obras a seguir como o fantástico laboratório científico do Dr. Frankenstein em seu filme homônimo de 1931.
O cientista Rotwang encarnou o típico personagem insano em meio às suas experiências científicas e ameaçadoras para a humanidade, o que seria eternamente visto em outras produções de horror e ficção científica dos anos seguintes, como a influência clara em Dr. Fantástico (1964, de Stanley Kubrick), onde seu cientista “louco” Dr. Strangelove, interpretado pelo magnífico Peter Sellers, e o Rotwang de Metrópolis tem a mesma mão direita mecânica.
Seu roteiro tem claras ideologias políticas e metáforas com a Alemanha da época de sua produção, como a cidade dos operários nos subterrâneos representando os discriminados guetos judeus. Politicamente existe duas teorias sobre o final do filme, uma mostrando a derrota do totalitarismo com o dirigente principal da metrópole aceitando a participação do proletariado no poder também, e outra onde esse ato de conciliação das classes sociais significaria a vitória da elite dominante conseguindo a aproximação do povo e sua consequente submissão ideológica.
A mitologia também está presente na obra, com a bela cidade da superfície e os subterrâneos representando o paraíso e o inferno respectivamente, e com o jovem Freder descendo ao inferno e presenciando os tormentos de um mundo artificial sem liberdade, para tornar-se um “salvador” da paz entre as classes sociais, conforme profetizado pela líder dos operários e sua amada Maria.
Metrópolis é monumental em todos os aspectos, um épico da ficção científica que durou quase um ano e meio de produção, envolveu cerca de trinta e sete mil extras e foi o maior orçamento na Alemanha até então, porém não foi um sucesso de bilheteria como esperava-se e o prejuízo financeiro para sua produtora Universum Film foi significativa. O diretor Fritz Lang rumou depois para os Estados Unidos, sendo reconhecido como um dos grandes cineastas de seu tempo. Esperamos que o futuro obscuro que ele previu em seu filme não se concretize na realidade, e possamos finalmente nessa primeira metade de um novo século (e milênio) vivermos com a tão esperada paz política e tecnológica, sem guerras e preconceitos, típicos do ser humano."
Revista Palavra (SESC) entrevista Luciana Villas-Boas.
Diretora do maior grupo editorial de obras gerais do Brasil, Luciana VillasBoas sempre nutriu profundo afeto pelos livros. Mas cresceu sem saber se era possível viver de edição. Durante muito tempo, as editoras foram pequenas empresas familiares, com salários muito baixos. Por isso escolheu o jornalismo.
Trabalhando na imprensa até 1995, passou por grandes veículos, entre eles a Rede Globo, o Jornal do Brasil, a revista Veja e a BBC de Londres, sempre mais editora que jornalista. Não encontrava paixão pela notícia, mas o amor pelo livro permanecia inabalado.
Decidiu entrar no mercado editorial quando entendeu o que acontecia em sua cabeça. E, ao longo dos anos na Record, viu a empresa transformar-se em um grande grupo editorial, com três editoras e diversos selos. No seu extenso catálogo de autores, encontramos, lado a lado, o Prêmio Nobel Gabriel García Márquez e Marcio Ribeiro Leite, ganhador do Prêmio SESC de Literatura de 2008, resultado de sete anos de sólida parceria entre a editora e o Serviço Social do Comércio.
PALAVRA - Qual a importância de iniciativas como o Prêmio SESC de Literatura para a produção literária e para a formação de novos leitores?
O Prêmio SESC de Literatura se destaca entre seus similares porque, que eu me lembre, é o único com tamanha amplitude na premiação de inéditos. Sai do eixo Rio-São Paulo, cobrindo todo o país, e dá oportunidade aos criadores e pessoas que apreciam a literatura em diversas regiões do país. O processo se torna ainda mais relevante quando olhado em sua totalidade, somado às demais iniciativas na área da literatura, como as oficinas de leitura e redação, que constroem a base do Prêmio.
PALAVRA - Iniciativas que se multiplicam como o Prêmio SESC de Literatura, jornadas literárias, blogues literários são um indicativo de que há muitos nomes em busca de um espaço no mercado literário?
Certamente. Além de todos esses indicativos, nós sabemos que hoje existe uma capacidade de criação muito grande no país. É claro que, infelizmente, nem tudo pode chegar à publicação, pois nem tudo tem a qualidade necessária. Muitas pessoas escrevem de maneira muito espontânea, sem carregar uma bagagem mínima de leitura pra saber exatamente onde situar o que elas fazem no mapa literário como um todo. Mas nessa imensa quantidade de gente que escreve, que quer se expressar literariamente, há quem saiba fazê-lo realmente. E, mesmo esses, muitas vezes não conseguem chegar à publicação.
PALAVRA - Qual o principal objetivo da editora Record ao assumir o compromisso de assinar o projeto gráfico e distribuição das obras dos vencedores?
O objetivo maior da editora é participar dessa iniciativa tão bonita, democrática e interessante, que é o Prêmio SESC de Literatura. Nós acreditamos que o SESC tem a capacidade de prospectar melhor do que nós, de uma maneira mais ampla. Isso tem se provado verdadeiro nos últimos anos e os resultados têm sido bons.
PALAVRA - Quais são as características que escritores estreantes e inéditos precisam reunir para terem, de fato, uma chance no mercado editorial?
A pessoa que quer ser escritora não pode sair do mundo para realizar a sua vocação. É importante que ela consiga construir a sua volta um público que a aprecie, nos seus locais de trabalho, estudo, onde elas se relacionam normalmente. É muito difícil para o editor dar um tiro no escuro, sem outros instrumentos de avaliação do que está sendo publicado.
É por isso que é natural que a gente publique os livros que já chegam até nós com recomendações de pessoas que nós conhecemos e em cujo gosto confiamos. Esses livros têm prioridade, são mais rapidamente lidos e avaliados e isso faz toda a diferença. É impossível ler tudo que se oferece para a editora. Precisaríamos de uma verba muito grande para pareceres e leituras, e não há como tornar isso viável economicamente.
PALAVRA - Desde 2003, quando foi formada a parceria entre a Record e o SESC no Prêmio, o que mudou no mercado editorial para estreantes?
Para estreantes não mudou tanto assim. É certo que há uma valorização da literatura brasileira bem maior do que há 10 anos, mas ainda é muito difícil fazer um livro de um autor estreante. Principalmente dos autores que não vêm apoiados por figuras conhecidas ou que vêm de outras regiões do país fora das grandes capitais. Nós não sabemos como fazer para divulgar e vender esses livros. Isso é determinante porque, por melhor que seja a crítica, se o livro não alcança um número mínimo de leitores, é um livro que não deu certo, é um livro fracassado.
PALAVRA – É comum que os novos talentos descobertos pelo Prêmio sigam carreira na literatura?
Sim. Lúcia Bettencourt, vencedora do prêmio em 2005 na modalidade contos com o livro A secretária de Borges, lançou posteriormente Linha de sombra, também pela Record. André de Leones lançou dois livros pela editora, Hoje estáum dia morto e Paz na terra entre os monstros. Ambos aparecem como figuras públicas da literatura brasileira desde a premiação. E é isso que nós esperamos do Prêmio: que traga bons autores que permaneçam no nosso catálogo como nomes permanentes.
PALAVRA - Nos últimos anos, a Record — e as editoras em geral — travaram batalhas de milhares de reais nos leilões de direitos. Paralelamente a todo esse investimento nos potenciais best sellers, há um espaço dedicado especialmente às obras nacionais de escritores em início de carreira?
Não sei como isso funciona em outras editoras, mas a Record é a editora que mais trabalha com autores estreantes. Além dos vencedores do Prêmio SESC, temos alguns autores em início de carreira nos quais decidimos investir. Prova disso é a nossa presença na classificação dos prêmios. Nós ganhamos na categoria “estreante” do Prêmio Portugal Telecom de Literatura, por exemplo, e fomos a editora com o maior número de classificados nessa categoria. Em outros prêmios similares, nossa lista de novos autores é sempre extensa.
PALAVRA - E o que isso significa para a Record?
É muito gratificante. É recompensador você ver que está apostando certo, que o nome que você avaliou e no qual apostou como alguém que teria uma contribuição para a literatura brasileira recebeu o aval de júris de especialistas. E muitas vezes encontramos os autores revelados pelo SESC no Prêmio Estado de São Paulo, Passo Fundo, Portugal Telecom etc.
PALAVRA - Um assunto bastante comentado tem sido a relação entre a literatura e as novas mídias e plataformas digitais (Kindle e similares). As editoras já estão preparadas — ou estão se preparando — para as mudanças que virão? O que vai mudar, de fato, na nossa relação com os livros?
Acredito que a primeira plataforma vai continuar sendo o livro. De qualquer forma, nós estamos nos preparando para entrar firme no livro eletrônico e nas plataformas de celular também. Por outro lado, acho que a relação física com o livro ainda é muito importante. É preciso preservar o negócio, e isso significa preservar o autor e a criação também. Não podemos deixar acontecer com o livro o que aconteceu no mercado fonográfico, até porque, se em função do livro eletrônico, o trabalho da edição não for mais rentável, nós vamos ter que mudar toda a nossa concepção de literatura, de como se lê a boa literatura. Nesse cenário, teremos que conviver com erros e a própria língua pode sair sofrendo muito. Mas eu não acredito que a humanidade estará disposta a abrir mão dessa conquista civilizatória que é a literatura.
PALAVRA - Mas o MP3 mudou detnitivamente a relação das pessoas com o CD, por exemplo...
Sim, mas são coisas distintas. A grande vantagem que o MP3 oferece é a possibilidade de escutar infinitas músicas ao longo do dia, e isso não é algo que você realmente busque com relação à literatura. Você pode escutar centenas de músicas em dez dias, mas só lê um livro nesse mesmo período. Pra que carregar mil livros se você vai ler um de cada vez? Essas plataformas têm esse aspecto menos atraente para o livro do que têm para a música. O selo Galera tem um público jovem, com muita intimidade com todos os instrumentos da linguagem eletrônica e, ainda assim, eles sempre compram o livro. Mesmo que já tenham lido eletronicamente, que já tenham feito um download, compram o livro para fazer uma releitura, ou apenas para ter em casa. O objeto livro parece ter uma força maior que o LP ou as fitas K7 e VHS tinham. Eu acredito que o livro vá conviver bem com essas plataformas eletrônicas.
PALAVRA - Algum conselho pra quem nunca foi publicado e encontra no Prêmio SESC a oportunidade para seguir carreira literária?
Tem que escrever livremente. O momento da criação deve ser preservado ao máximo de qualquer influência externa. Ao mesmo tempo, acho fundamental hoje, a qualquer pessoa que quer ser escritora, cultivar o hábito da leitura. Muita leitura. É por meio da leitura que o indivíduo vai saber situar o que está escrevendo dentro do corpo literário brasileiro e universal, ter consciência clara do que está escrevendo. Hoje você vê muita gente que quer escrever sem nunca ter lido um livro. Agora mesmo estava conversando com um professor que recebeu um original de poesia de um aluno, perguntou o que ele estava lendo, e ele respondeu que nunca tinha lido poesia na vida. Isso acontece muito mais do que nós imaginamos e é bom que se saiba que esse não é o caminho.
A divulgação recente - último dia 21 de agosto - dos resultados de uma pesquisa realizada pela Associated Press com Ipsos sobre os hábitos de leitura dos americanos fez notícia em todos os jornais do mundo. Pelos dados, um em cada quatro adultos nos Estados Unidos não leu nenhum livro em 2006. Em números mais exatos, são 27% da população os não-leitores.
Se compararmos com dados da França, conhecida (talvez erroneamente) como o país de leitores, a realidade norte-americana não está assim tão longe da média dos países desenvolvidos. Aqui, uma pesquisa do Ifop, de 2005, revelou que 19% da população acima de 15 anos não havia lido nenhum título em 2004.
Quando se compara a média de leitura entre a população dos dois países, no entanto, a diferença aumenta: segundo as mesmas fontes, nos Estados Unidos, a média é de 4 livros por ano; na França, 11 títulos. Segundo os franceses, “são os grandes leitores que puxam a média do país para cima”, e que nos dão a impressão, principalmente quando se anda de metrô em Paris, que estamos num país de leitores ávidos.
Ambas as pesquisas esmiúçam melhor os hábitos de leitura e mostram as diferenças entre homens e mulheres, por faixa etária, classe social, escolaridade, região geográfica onde vivem, tipos de gêneros dos títulos mais lidos e as razões para a não-leitura.Entre os motivos que levam os americanos a não lerem, a pesquisa cita principalmente os outros suportes de informação (TV e internet). Entre os franceses, os entrevistados declaram ser a falta de tempo (54%) em primeiro lugar e a preferência por ler a imprensa escrita (jornais e revistas, 36%) as principais razões que os afastam da leitura.
No Brasil, os dados são um pouco menos recentes – de 2001 –, mas alguns resultados são comparáveis. Realizada pela CBL, a SNEL, a ABRELIVROS e a BRACELPA, o trabalho chamou-se “Retrato da leitura no Brasil”. Entrevistou adultos (acima de 14 anos) que leram pelo menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa (outubro a dezembro de 2000). Segundo os resultados, a média brasileira – se considerados apenas os que lêem livros – é de 1 livro por mês (somos iguais aos franceses?)!
Apenas um terço dos entrevistados disse gostar de ler (os famosos 26 milhões de leitores, 30% da população alfabetizada acima de 14 anos), sendo que 61% do total têm muito pouco ou nenhum contato com livros. Entre as razões brasileiras da não leitura estão as de ordem financeira (34% dos entrevistados comprariam mais livros se os preços fossem mais baixos e 23% se tivessem mais recursos), em primeiro lugar, e a falta de tempo vem em segundo (23%).
Nos Estados Unidos
Entre os que leram algum livro no de 2006, mulheres lêem mais que homens, e quanto mais velho (acima de 50 anos), mais leitor.
A Bíblia e livros religiosos foram responsáveis por cerca de 65% do volume de títulos lidos.
A pesquisa Gallup de 2005 perguntou quantos livros as pessoas ao menos começaram a ler. A resposta, em média, foi de 5 por ano. Em 1999, essa mesma pergunta deu como resultado 10 por ano.
Relatório do governo americano de 2004, com dados relativos a 2002, disse que 57% da população adulta tinha lido pelo menos um livro naquele ano – o que quer dizer que 43% não tinha lido nenhum título.
Na França 42,7% dos títulos de ficção publicados na França em 2005 são traduções (73,8% originalmente de lingua inglesa, e as outras linguas ficam em torno de 3% as mais traduzidas em seguida, como espanhol, alemão, italiano, russo e as linguas escandinavas). 24% dos adultos franceses dizem ter lido mais que 12 livros em 2004. De novo, as mulheres leem mais: apenas 15% declaram não ter lido nenhum título no ano pesquisado, comparando aos 24% de homens que afirmam o mesmo. Em média, as mulheres leram 12 livros no ano, os homens, 9.
10. Ao contrário dos direitistas gringos, europeus ou mesmo mexicanos – virulentamente patrióticos ao ponto da xenofobia – o direitista brasileiro odeia o Brasil. É curioso, porque nenhuma direita traz tantas marcas do seu lugar de origem como a brasileira. Até quando fala de Chesterton.
9. O direitista brazuca sofre de profunda nostalgia. Entende-se: ele um dia teve Carlos Lacerda e Paulo Francis. Hoje deve contentar-se com Diogo Mainardi e outros funcionários da Veja. Ou seja, já completa uma geração em total orfandade de gurus. Andam tão carentes que seu mais novo mestre é um auto-intitulado "filósofo" de cujo trabalho nenhum profissional de filosofia jamais ouviu falar.
8. Os direitistas tupiniquins em geral se dividem em dois grupos: os raivosos e os blasé. Aqueles vociferam em blogs, lançam insultos, ordenam que os adversários se mudem para Cuba. Reagem histericamente à própria infelicidade. Os blasé, em busca de uma elegância copiada de algum filme gringo, intercalam em suas frases expressões inglesas já completamente fora de uso. Reagem esquizofrenicamente à sua infelicidade, à sua incapacidade de reconciliarem-se com o que são.
7. O direitismo brasileiro costuma ser um grande clube do Bolinha. Tem verdadeiro pânico das mulheres, especialmente das mulheres fortes, seguras, profissionalmente bem-sucedidas. Estas últimas costumam ter o poder de fazer até mesmo do blasé um raivoso.
6. O direitista tupiniquim adora lamber as botas de Bush. Numa época em que até vozes do conservadorismo tradicional norte-americano reconhecem o caráter da mentirada (link via Smart) sobre a qual se sustenta Bush, o direitista daqui ainda defende o genocídio praticado pelos EUA no Iraque.
5. Por alguma razão, o direitista brasileiro sente-se profundamente incomodado com o cinema iraniano. Talvez, se a história do menino que perdeu um sapato fosse contada em inglês, com um orçamento milionário, dois personagens maniqueistamente representando o bem e o mal, algumas explosões e um final bem moralista, o direitista tupiniquim o saudaria como uma pérola.
4. O direitista brazuca adora declarar-se “liberal”. Sonha com o capitalismo preconizado por Adam Smith, quem sabe nalguma ilha onde ainda exista “livre competição pelo mercado”. Afinal de contas, no capitalismo realmente existente o que vemos são quatro megaconglomerados controlando toda a indústria musical do mundo, ricos impondo barreiras e tarifas aos produtos dos pobres, oligopólios praticando dumping, guerras de rapinha para saquear petróleo dos outros. Ao ser confrontado com esses fatos, o máximo que o direitista aceitará é que no “verdadeiro” liberalismo essas coisas deverão ser “corrigidas”. Talvez no dia em que o direitista consiga impor seu modelo de capitalismo à ilha de Robinson Crusoé.
3. O direitista tupiniquim tem pânico de discutir questões relacionadas a raça e etnia. Quando aflora qualquer conversa sobre a discriminação racial ou sobre o lugar subordinado do negro na sociedade, ele raivosamente acusa os interlocutores de estarem acusando-o de racista. Para essa “vestida de carapuça” Freud inventou um nome: denegação. É a atitude preferida do direitista quando o tema é relações raciais.
2. O direitista tem verdadeiro ódio da MPB. Vocifera, por exemplo, contra o silêncio de Chico Buarque sobre o caixa dois do PT, ao mesmo tempo em que idolatra pop stars americanos que silenciam sobre o genocídio no Iraque. Faz sentido: as áreas nas quais, em quantidade e em qualidade, o Brasil tem a mais respeitável produção do mundo desmentem a ficção auto-depreciatória com que o direitista tupiniquim transfere para o país o seu incômodo consigo mesmo.
1. O direitista brasileiro louva e idolatra o mercado, mas curiosamente pouquíssimos espécimes dessa turma se estabeleceram no mercado com o próprio trabalho. É mais comum que herdem um negócio do pai, recebam via jabaculê o emprego que terão pelo resto da vida ou, mais comum ainda, que concluam a quarta década de vida morando com a mãe e tomando todinho
Documentário produzido pela BBC, mas que continua sendo terminantemente proibido pela Rede Globo. Você não encontrará este documentário à venda pela Internet, muito menos disponível em locadoras de DVD. Entretanto o YouTube lhe traz gratuitamente, em várias versões que variam na qualidade do upload. Assista, na íntegra ou em capítulos, ao documentário sobre a Rede Globo, o Orgão Oficial de Imprensa dos Militares e da Direita Conservadora.
"Mutáveis os da mídia nativa, certa de que nós da plateia não passamos de um bando de idiotas
Por Mino Carta
Não há semelhança possível entre um estúdio de tevê e um ringue. Pelo menos não havia até poucos dias atrás. A gravação de uma entrevista na TV 5, filiada à Rede Bandeirantes em Rio Branco, acabou em vale-tudo entre o entrevistador, o jornalista Demóstenes Nascimento, e o entrevistado, candidato ao Senado pelo Acre, o emedebista João Correia. De categoria nitidamente superior, Demóstenes pareceu mais talhado para catch-as-you-catch-can e ganhou a luta com bom aproveitamento tanto nos socos quanto nos pontapés. Empate em matéria de insultos e palavrões.
O entrevistado farejou certa agressividade em uma pergunta sobre segurança pública e reagiu com acusações ao atual governo acriano. O entrevistador negou-lhe condições morais para manifestar-se ao apontá-lo como envolvido em certo escândalo. O candidato ergueu-se de sua poltrona aos gritos de “lacaio, vendido”. Partiram para a briga e a célebre turma-do-deixa-disso demorou para entrar em ação.
Correia sofreu escoriações no rosto e no joelho direito e lesão no tendão do dedo anular, também direito. Trata-se de um lutador comprovadamente destro. Mas o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Acre e a Federação Nacional divulgaram uma nota para verberar “a atitude covarde e agressiva” do entrevistado. Nada como a eterna vigilância dos paladinos da liberdade de imprensa, mesmo quando participam de refregas desiguais, representados por pesos-pesados chamados a enfrentar moscas ou galos.
A luta de Rio Branco é um episódio novo na nossa história das campanhas eleitorais, mesmo porque, salvo melhor juízo, os candidatos entrevistados não pulam corda ou socam o punching ball antes de qualquer entrevista. Para revidar às perguntas que não são do seu gosto, o candidato José Serra adota uma linha de refinado senso de humor. Anota a repórter Juliana Cipriani, de O Estado de Minas, que Serra “parece ter dificuldade em entender o que dizem os brasileiros ou inventou uma nova estratégia para evitar responder às perguntas que não o agradam”.
Em meados de julho passado, em Pernambuco, o repórter de um jornal local dirigiu-lhe uma pergunta sobre o trem-bala destinado a ligar São Paulo ao Rio: obra feita ou tiro de festim? A pergunta deveria ser do seu gosto, pois o candidato é contrário ao projeto. Surpresa. “Não entendi, foi muito sotaque”, decretou Serra. Em Minas, quando um jornalista o questionou sobre recente entrevista de Lula em que o presidente lamenta-lhe a falta de sorte ao enfrentá-lo em 2002 e agora diante de Dilma Rousseff, Serra escandiu: “Esta fala mineira de vocês eu não entendo”.
O candidato tucano consegue, porém, ser mais cordato, a depender das situações. Lá pelas tantas desta tertúlia eleitoral, o repórter Fábio Turci dirige a Serra uma pergunta sobre juros. O perguntado não esconde sua irritação, e indaga com a devida veemência: “De onde você é?” Turci esclarece ser da Globo. E Serra, de pronto: “Ah, então desculpe”. Tucano não voa, mas sabe onde pisa.
Na noite de 11 de agosto coube a ele ser sabatinado por 12 minutos pelo casal JN, William Bonner e Fátima Bernardes, os sorrisos mais radiosos do Brasil. Antes, a oportunidade foi bondosamente oferecida às candidatas Dilma Rousseff, segunda 9, e Marina Silva, terça 10. Para ambas, um sufoco. As perguntas do locutor que considera Homer Simpson como telespectador ideal foram muito mais esticadas que as respostas, quando estas não foram furibundamente atropeladas.
No caso de Dilma, o propósito foi mostrar (ingenuamente?) que ela é ao mesmo tempo uma marionete na mão de Lula e personagem dura, prepotente, mandona. De sorte a suscitar a observação da entrevistada, mais ou menos do seguinte teor: então, como vocês me querem, como títere do titereiro ou como a ministra inflexível que chama às falas os colegas de gabinete? Na vez de Marina, o intuito foi outro: provar que ela saiu do governo por discordâncias sobre a política ambiental enquanto, tempos antes, não se incomodou com o mensalão, o escândalo pretendido e até hoje não provado. A certa altura, a ex-ministra teve de reagir com alguma, insólita veemência, para pedir que a deixassem concluir o raciocínio.
Com Serra, na quarta 11, tudo mudou. O casal JN deixou o candidato falar à vontade. E quando a entrevista pretendeu chegar ao ponto de fervura, a pergunta foi: o senhor não se sente constrangido de ter o apoio do PTB, partido metido no escândalo do mensalão petista? Nada do mensalão mineiro nem do escândalo do DEM em Brasília. Maluf e Quércia? Esquecidos. E os votos comprados para a reeleição de FHC?
Segundo momento de aperto. Pergunta a evocar os usuários que reclamam dos preços altos do pedágio em São Paulo. Serra ganha a oportunidade de falar mal das estradas federais. Aí Bonner acrescenta: não existe um meio-termo, só dá para ter estradas boas e caras ou ruins e baratas? Serra emenda, feliz, que na última concessão que fez, os preços do pedágio caíram pela metade. Omitiu que os postos de cobrança foram dobrados e ao cabo cita sua origem humilde, estudante de escola pública etc. etc. Só falta chorar.
A rapaziada não se dá ao respeito. Quem sabe haja quem se incomoda ao perceber que nos enxergam como malta de idiotas. Esta visão da plateia é própria, aliás, dos jornalistas nativos e seus patrões. Será que não usam na medição o metro recomendável para medir a si mesmos?
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redação@cartacapital.com.br