Preciosidades

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Num dia de casamento. Marçal Aquino


O sábado tinha nuvens pesadas na tarde. Ainda assim, fachos do sol rebrilhavam nos carros estacionados. Eu estava de sandálias e tinha cinco cigarros no maço. E estava um pouco magro também.
A noiva adentrou à igreja às dezesseis e nove. Pelo braço do pai, vestido com um terno cinza e com o cabelo cortado recentemente.
Eu a vi pelas costas e sua grinalda branca, em minha análise, nada tinha de especial: igual a muitas outras que já vi em fotos e em outros casamentos. Da minha posição, não consegui ver seu rosto, mas imaginei que ela estava um pouco suada. Nervosismo somado ao calor; o dia estava quente. E porque estava quente, eu me encostara num local de sombra. Ouvi a música que acompanhava a entrada do par na igreja. E a melodia do órgão tinha algo de pungente, algo que penso avesso àquele ritual, que deveria ser alegre. Contudo, não me emocionou. Faz muito tempo que uma música não me emociona de verdade.
Após a entrada da noiva, chegaram ainda à igreja mais três pessoas. Um casal de idade indefinida, elegantemente discreto. E, por último, uma mulher gorda de vestido azul que, pouco antes de chegar ao fim das escadas, ajeitou o cabelo. Depois, entrou.
Continuei encostado à sombra e fumei um cigarro. Ao fim da cerimônia, um grupo de pessoas — mulheres na maioria — postou-se à porta da igreja. Cumprimentos ao pai e à mãe da noiva. Votos de felicidades, beijos, aquelas coisas de sempre. Um aglomerado de pessoas em que eu não conseguia divisar a noiva. Um fotógrafo de paletó xadrez documentava a cena.
Demoraram-se ali, creio, mais uns dez minutos. Eram dezesseis e quarenta. Não se via mais o sol. Apenas belíssimas nuvens avermelhadas que pareciam pairar preguiçosamente. Somente vi o rosto da noiva quando ela desceu as escadas rumo ao carro que iria levá-la dali. Estava bonita. Pintada demais para o meu gosto, mas bonita. Uma mecha de cabelo soltara-se do arranjo na cabeça e pendia em sua testa. Como um ponto de interrogação de cabeça para baixo. Talvez a mesma mecha que, alguns anos antes, eu vi balançando no vento que entrava pela janela do ônibus onde viajávamos depois de deixar um hotel à beira da estrada.
Então eu fui para casa. Pensando em cortar a barba e certo de que isso era a única coisa especial que eu tinha para fazer naquele sábado. Se a agência dos correios estivesse aberta àquela hora, eu mandaria um telegrama para o meu antigo analista com as seguintes palavras: “MERDA VG MEU CARO PT”.
Cheguei em casa com as mãos nos bolsos e convencido de que, afinal de contas, aquele era apenas um dia comum. E era mesmo.

(in As Fomes de Setembro (1991), p.59/60)

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