Uma atriz cinematográfica chora na penumbra, derramando copiosas lágrimas. Ela assiste a um filme em que atua no papel principal.
No passado, seus pais foram seu primeiro inimigo; seu irmão mais velho, o inimigo seguinte. Por isso, desde então, todo e qualquer homem se tornara seu inimigo, todo ser humano lhe parecia inimigo. E, assim, toda vez que aumentava seu cartel de inimigos, ela descia mais um passo na escada da escuridão do abismo.
Nesse momento, na tela, uma graciosa adolescente representada por ela própria estava sendo vendida pelos pais a um homem.
Ela que assiste e ela que é observada; as duas choram ao mesmo tempo. À medida que o filme se desenvolve, as duas sentem, como um único ser, a mesma dor de terem tido sua virgindade roubada.
Não que ela recordasse aquele terrível momento do passado, mas sente agora, nesse instante, que o revive no seu próprio corpo. Quando filmava a cena, ela também não representava, sentia no seu corpo aquela experiência dolorosa do passado.
Isto quer dizer que sua virgindade fora violentada três vezes. Em outras palavras, por três vezes fora virgem.
No mais intenso momento dessa sua terceira experiência trágica, um homem e uma mulher são conduzidos para os assentos da sua frente. Por pouco, ela ia falar com eles. Eram uma atriz e o diretor do mesmo estúdio.
Nesse instante, a outra atriz se vira para o diretor, exibindo seu perfil branco diante do rosto em lágrimas da personagem na tela, e sussurra no ouvido dele:
— Olhe só! Não disse que ela não se parece nada com uma ingênua garota virgem. O corpo dela já está decadente. Ui! as linhas do busto...
“Ai, que vontade de matá-la!” Como se fincasse espadas no chão, ela enrijece os joelhos, quase se levantando de sua cadeira.
Pela primeira vez, ela se deparou com um inimigo de verdade.
Naquele exato momento, essa outra atriz arrebatara sua virgindade pela quarta vez. E dessa vez não foi deixado nem mesmo um traço ou uma sombra.
Um homem jamais rouba verdadeiramente a virgindade de uma mulher.
(do livro "Contos da Palma da Mão", 2008, p. 59/60)
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