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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O fantástico Murilo Rubião

O primeiro livro de contos que ilustrei foi Pirotécnico Zacarias, de Murilo Rubião, em 1974. O livro inaugurava a coleção Nosso Tempo, na editora dirigida por Jiro Takahashi. A publicação do livro deu súbita fama a Murilo e, a mim, a oportunidade de ilustrar todos os demais livros da coleção. Não sei o número exato de livros, foram muitos. 
Murilo Rubião (1916-1991)
Não cito os autores, todos afamados, para não correr o risco de esquecer alguns. De Murilo Rubião conhecia poucas coisas. Sabia sobre seu primeiro livro, O Ex-Mágico, publicado em 1947,  que teve pouco sucesso. Também sabia que era jornalista e que constava em seu currículo a chefia de gabinete do governador Juscelino Kubitschek. Ao receber seus originais, descobri que ficaram engavetados por 15 anos. Por isso, Murilo não teve o reconhecimento merecido como precursor da literatura fantástica, que tanto sucesso fazia em livros de autores latino-americanos.
Ainda hoje, quando vejo os desenhos que fiz para os contos de Rubião, sinto uma enorme gratidão pela escolha do meu nome para ilustrar suas fantásticas histórias. Elas me permitiram criar imagens e ambientes estranhamente absurdos, que até então eu não havia experimentado. Não havia naqueles textos limites para a imaginação. No lançamento do livro, em Belo Horizonte, os editores levaram meu trabalho para uma galeria de arte onde ocorreria o evento. Antes fui conhecer o autor.
Sua figura franzina vestida com terno e gravata não combinava com sua arte absurdamente surreal. Cortês e tímido, me cumprimentou e agradeceu pelos desenhos. Eu o abracei e agradeci pela oportunidade de também enlouquecer um pouco mais após ter lido e ilustrado suas histórias. Ele sorriu um riso silencioso que me lembrou o riso dos velhos palhaços.
Emocionado e caminhando a seu lado, tive a certeza de que era ele próprio o meu personagem favorito, e não todos os outros para os quais inventei estranhas alegorias em preto, branco e cinza. Mais à noite, lhe disse: “Bárbara é o meu preferidol”. Ele sorriu e perguntou por que aquele conto era o que mais me agradara. Olhei para o céu, e ele, timidamente orgulhoso, falou: “Entendi”.
Bárbara fazia pedidos absurdos ao marido. O sujeito prontamente atendia a todos os desejos. Uma noite, ele a viu olhando o céu. Imaginou que lhe pediria a Lua, mas quis apenas uma estrela, e ele foi buscá-la. Assim termina um dos mais belos contos já lidos por mim, escrito pelo autor-personagem mais fascinante que conheci. É bom poder contar, 37 anos depois, as lembranças de uma das melhores noites da minha vida. A noite em que conheci Murilo Rubião, o criador da literatura fantástica da América Latina. Uma literatura que nos foi sonegada pela negligência da nossa insistente ignorância diante de tudo que ainda não conhecemos.
“Muitos se recusam a aceitar a realidade
simplesmente porque entrariam em
colapso se o fizessem.”
Johann Goethe

Fonte: Revista Almanaque Brasil, Ed. Nº 148. Agosto de 2011
Elifas Andreato