Preciosidades

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Jorge Luis Borges e "O Aleph" brasileiro de Paulo Coelho - Por José Pires


Há alguns dias soube que Paulo Coelho estava para publicar um novo livro, cujo lançamento oficial é neste sábado. O nome é "O Aleph" e foi uma surpresa para mim. "O Aleph" é um livro de Jorge Luis Borges, que tem de tempo de publicação apenas um ano a menos que a idade de Paulo Coelho. "O Aleph" de Borges, foi publicado em livro em 1948 pela Editorial Losada, de Buenos Aires. Vejam a capa aí em cima. Ao lado está a edição italiana da Feltrinelli. É de onze anos depois, 1959, mas bem antes do livro do brasileiro.

Em arte, a pretensão é sempre proporcional à mediocridade do artista, porque em grande parte é sempre fruto de falta de conhecimento. Alguém que escreve tão mal como Paulo Coelho jamais publicaria livro algum se tivesse capacidade de compreender isso. O seu “O Aleph brasileiro” pode vir daí. Coelho ainda procura escamotear a apropriação de um título que já faz parte da história da literatura. Segundo o que li por aí, ele teria feito uma relação com Borges nesta obra, que também não seria de ficção. Mas não vou conferir. Para mim a capa do livro com o título já revela a fajutice.

Harold Bloom, que sabe tudo de literatura, fez um livro de nome "Gênios", onde juntou os 100 autores que ele julga os mais criativos da história da literatura. Jorge Luis Borges é um desses autores. Não gosto de listas, mas opinião mais válida que a de Bloom não existe. “Jamais me recuperei do golpe que sofri da primeira vez que li Borges, cerca de 40 anos atrás”, ele diz. Neste livro, ele fala de “O Aleph”. É um dos contos mais conhecidos da literatura universal e uma marca estilística da obra do escritor.

O manuscrito de "O Aleph" foi dedicado a Estela Canto, uma escritora de certo peso histórico na Argentina e por quem Borges era apaixonado. Na época, ele fazia a ela uma corte desajeitada. Sua  relação tem momentos patéticos, com dificuldades emocionais hoje parecem até cômicas e que parecem ser de fundo sexual. Ele não chegou a se casar com a musa, que anos depois vendeu os preciosos papéis na Sotheby's por U$ 27.770. Soube do preço lendo um livro mais recente, de Alberto Manguel, onde, entre outros ensaios, ele publica um muito bom sobre o escritor argentino.

Para quem, não sabe, desde jovem, o escritor argentino foi muito ruim da vista. Praticamente não enxergava nada. Manguel leu livros para um Borges quase cego, em 1966. Num largo período, ele ia às noites ao apartamento do escritor e lia obras para ele, retiradas de sua magnífica biblioteca. Fazia isso de graça, uma situação que decerto até podia ser vista como privilegiada, pois o grande escritor também não cobrava nada.

Ele conta que de vez em quando Borges parava a leitura e comentava sobre o livro, mais para si mesmo. Manguel, que tinha plena consciência do momento rico que vivia, escreve que dessa forma o escritor lhe oferecia "uma edição particular anotada de seus clássicos". O livro onde ele repassa uma visão muito especial e bem particular não só desta relação, mas também sobre outros assuntos, está em "No Bosque do Espelho", da editora Companhia das Letras.

Borges foi um homem impressionante. Um escritor pode ser muito bom sem ser uma figura interessante. Ele era os dois. Tenho um outro livro feito de conversas entre ele e o jornalista Osvaldo Ferrari, transmitidas pela Rádio Municipal de Buenos Aires no ano de 1948, que é uma jóia preciosa. Quantas vezes não reli com imenso prazer estes diálogos tão interessantes. Tenho a impressão que Borges sempre viveu em um plano especial, como se fosse uma outra dimensão. Passar isso para a escrita parecia ser apenas parte dessa existência interior tão rica.

Seus comentários sobre as pessoas, suas antigas amizades e até sobre os escritores que ele admirava, são sempre muito originais. É um prazer e até muito perigoso para quem também escreve, pois é sempre uma forma tão deliciosa de se referir à tudo, que pode ser imensa a tentação de fazer igual.

Por sinal, estava lendo, ou melhor, relendo esta beleza de livro, quando fiquei sabendo dessa besteira sobre o "O Aleph brasileiro". Não me espanta uma asneira dessas vinda de Paulo Coelho, mas que uma editora aceite algo assim vai além do aval a um autor de reconhecida mediocridade com a publicação de sua obra. Neste caso, a editora coloca sua credibilidade em risco internacionalmente. E a desorientação fica até engraçada numa editora de nome Sextante — a casa que publica o absurdo título.

Paulo Coelho não precisaria começar a publicar livros para eu achar de baixa qualidade o que ele faz. Para isso já bastavam aquelas músicas cretinas com Raul Seixas. Mas ele já foi muito bem definido como escritor por essa figura especial que foi José Mindlin, um homem que sabia tudo sobre livros e que, intrigado com tanto sucesso, pegou uma obra dele, leu e depois deu a opinião definita:: Paulo Coelho está para a literatura assim como Edir Macedo está para a religião.

Mas, de qualquer forma, publicando "O Aleph" agora, mais de 60 anos depois de Jorge Luís Borges publicar um livro com o mesmo nome e que, ainda por cima, é o título de uma de suas histórias mais conhecidas, Paulo Coelho abre um campo vasto para sua, digamos assim, literatura.

Pensem só nas oportunidades; Ana Karenina, Os Irmãos Karamazov, O Velho e o Mar, A Educação Sentimental, Macbeth, A Cartuxa de Palma, Ulisses, Os Miseráveis, O Amante de Lady Chatterley, Vinhas da Ira, O Som e a Fúria, e por aí vai. Com certeza a obra de Paulo Coelho vai ser enriquecida com títulos inesquecíveis.
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POR José Pires

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Mais dicas de livros - Site "Sem Criatividade"

"Sem Criatividade"

Parodiando a seção de mesmo nome na SuperInteressante, vou aqui listar meus 5 livros favoritos e um que acho um lixo. Fui convidada primeiramente pelo queridíssimo Daniel Becher a responder ao meme e ontem pelo Adriano, então vamos lá.

CINCO LUXOS: livros que recomendo

A ordem em que vou apresentar os livros não é necessariamente do que mais gosto para o que menos gosto. Adoro todos esses livros dentre tantos outros, então, sem essa de “1º lugar, 2º lugar” e etc.

Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos
Acreditem ou não, a recém no início desse ano que fui ler esse livro. Esse é mais um clássico, tipo O Pequeno Príncipe, que eu também fui ler não faz muito tempo. Essa edição é tão velha quanto a história, só ver as orelhinhas, haha. O livro é de uma linguagem extremamente simples e tocante. Eu que não gosto de coisa fresca achei o livro lindo-lindo (ui!) e chorei que nem uma condenada quando o molequinho chorava pelo Portuga. Mas não foi com esse livro que eu bati meu recorde de lágrimas!

David Copperfield, de Charles Dickens
Eu juro que quando vi a capa pensei “Será David, o mágico?” heioahiea. Ignoranta! A grande diferença entre ler livros do século retrasado de escritores estrangeiros e livros nacionais é que é tããããão mais fácil e menos cansativo. Sabe Dom Casmurro? Eu li umas 3x, acho, mas NUNCA consegui sair da página 3 de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Machado de Assis podia ter morrido antes de ter escrito qualquer livro. Voltando ao David Copperfield, uma linguagem simples pra época, mas bastante detalhada sobre os encantos da Inglaterra do século XIX. Em alguns trechos parece mesmo uma criança escrevendo, conforme o personagem se sentia. Recomendo! Por sinal, foi o último livro que li.

Marley & Eu, de John Grogan
Sim, foi com a morte do Marley que eu chorei por umas 2 horas. Só achei idiota o cachorro se chamar Marley em homenagem ao Bob Marley. Segundo o pseudojornalista do post retrasado os donos do cão seriam maconheiros. Mas eu chorei por vários motivos: porque o cão morreu (óbvio), porque eu estava na TPM, porque eu estava “de mal” com meu namorado HAHAHA. O livro é lindo, só não entendi porque é uma “biografia”, acho que se enquadrava melhor em outra seção.

Tudo que eu queria te dizer, da Martha Medeiros
Como todo gaúcha que se preza, eu gosto de Martha Medeiros. Pra quem não conhece, ela é uma cronista do maior melhor jornal do RS Sul do país, a Zero Hora. Páreo pra ela só David Coimbra, também gaúcho e cronista do mesmo jornal; a diferença é que ele “cronica” (inventei um verbo) na coluna de esportes. Futebol e mulheres, basicamente isso, mas é muito bom, pra quem quiser conhecer, indico A cantada Infalível, ele tem altas sacadas. Voltando à Martha.. TQEQTD (abreviei, sacou?) é uma série de crônicas em forma de cartas e uma não tem nada a ver com a outra. Pra quem gosta de crônica, como eu, é uma boa pedida. Pra quem gosta da Martha, como eu, COMPRE, vale a pena.

Fortaleza Digital, de Dan Brown
Conforme o comentário da Luciana no post do 21 horas, tenho que concordar que Dan Brown não é mesmo um bom escritor, mas os livros dele são sempre instigantes. Inclusive esse foi o último que li dele (acho que já li todos), e li em um dia, de tão contagiante que é a maneira como ele coloca as situações. Eu poderia colocar outros no lugar dele, mas esse eu tinha por perto para fotografar hahaha.

UM LIXO: leia por sua conta e risco

Acho difícil escolher um só para nunca recomendar e tacar fogo, portanto aí vão alguns dos livros que eu nunca lerei. E se já li, isso não vai se repetir.

Bíblia Sagrada: Eu não sou ateísta e nem pertenço a uma seita satânica, mas acho perda de tempo ler aquilo. Nas casas que morei, nunca tive um exemplar em casa e nem vou ter nas que morarei. Já O Evangelho Segundo o Espiritismo é outro assunto…

O Segredo: Se é um segredo por que alguém vai contar? E se contou por que o mundo inteiro não está rico?

Memórias Póstumas de Brás Cubas: Dá sono, não lembro de nada que li nas 3 páginas, só que tinha um morto.

Antes do Baile Verde: Li para o vestibular, uma merda de livro. São contos, até tem alguns que se salvam, mas a escritora é uma pain in the ass!"

(LINKS MEUS!)

Fonte: site "Sem Criatividade", postagem de 02/04/2008.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

"O ALEPH" DE JORGE LUIS BORGES (1899-1986)

O Aleph, de Jorge Luis Borges. 176 páginas. R$37,90.

O ALEPH (no original, El Aleph) é um livro de histórias curtas de Jorge Luis Borges, publicado em 1949, contendo, entre outros, o conto que dá nome ao livro. Ambos são representativos do estilo de Jorge Luis Borges e da escola literária latino-americana do realismo mágico da qual ele é indicado como uma das manifestações mais originais.

Os contos do livro Aleph são: O imortal; O morto; Os teólogos; História do guerreiro e da cativa; Biografia de Tadeo Isidoro Cruz (1829-1874); Emma Zunz; A casa de Astérion; A outra morte; Deutsches Requiem; A busca de Averróis; O Zahir; A escrita de Deus; Abenjacan, o Bokari, morto no seu labirinto; Os dois reis e os dois labirintos; A espera; O homem no umbral; e, finalmente, O Aleph.

Quanto ao conto, O Aleph, especificamente, o protagonista se depara com a possibilidade de conhecer o ponto do espaço que abarca toda a realidade do universo num local bastante inusitado: no porão de um casarão situado em Buenos Aires, prestes a ser demolido. Este ponto recebe a alcunha de Aleph - a letra inicial do alfabeto hebraico, correspondente ao alfa grego e ao a dos alfabetos romanos.

A idéia de unidade na multiplicidade é tema borgiano por excelência e, no conto em apreço, sua exposição literária é primorosa. (fonte: wikipedia)

"Primeira letra do alfabeto hebraico, o 'aleph' dá nome a uma das mais bem realizadas obras de Jorge Luis Borges, reunindo 17 contos - traduzidos por Flávio José Cardozo (revisão de Maria Carolina Araújo e Jorge Schwartz) - que sintetizam momentos extremamente diversificados da narrativa borgeana. Nela encontramos exemplos magistrais do gênero fantástico, em que uma prismática imaginação se desdobra nas infinitas visões da paisagem narrativa. O passado e o presente se confundem nas tramas oníricas que se contrapõem à realidade cotidiana. Uma espécie de crioulismo cosmopolita o leva a reconstruir uma épica de sua própria família, povoada de índios aloirados, passar por Tebas, pelo país do trogloditas, pela Espanha islâmica de Averróis, por desertos árabes e até por uma prisão na cidade asteca de Tzinacán, no conto 'A escrita do Deus'. Histórias de reis, imperadores e sacerdotes se amalgamam ao cotidiano de personagens insípidos, medíocres e suburbanas. (fonte: livraria cultura)

Faça download na íntegra do verdadeiro livro "O Aleph" no Scribd.com.



quinta-feira, 22 de julho de 2010

Fiéis ao sonho. Fabrício Carpinejar


Edição 59
A luta pela vocação na trajetória de quatro destacados escritores brasileiros contemporâneos. Inspire-se com eles e corra atrás daquilo que deixa você realmente feliz.


Escritor não nasce pronto. A profissão “escritor” não consta em teste vocacional nas universidades. No máximo, verifica-se uma inclinação às Letras do vestibulando. E parece relativamente fácil ser escritor: boas idéias, caneta e papel (ou um bom processador de textos no computador). Mas como alguém pode adivinhar se é destinado para aquilo? Qual é o segredo para deixar uma carreira estável ou um emprego seguro para se enfurnar em escrever e escrever histórias atravessando madrugadas e manhãs secretamente, sem nenhuma testemunha? Digitar um punhado de páginas, imprimir, encaixar as folhas numa espiral preta, enviá-las para uma editora e sentir um misto de orgulho e medo. Orgulho porque é seu primeiro livro, medo porque não tem certeza se o esforço valeu a pena. Trabalhar e trabalhar, longe de uma recompensa imediata. O que faz alguém acordar de manhã e dizer para si mesmo: “Eu sou escritor”? Conheça o que dizem alguns autores brasileiros que, a muito custo, conseguiram se impor no cenário das letras. E aprenda a lutar pelos seus sonhos (quaisquer que sejam eles), como eles um dia fizeram. 


Cara sortudo? 

Ao tomar nas mãos um livro como os contos de "Os Lados do Círculo", de Amilcar Bettega Barbosa, 43 anos, nem se imagina quanto o escritor penou para estar no topo de uma pilha de volumes na livraria. Tampouco que seu autor recebeu a bagatela de 100 mil reais pela obra no prestigiado Prêmio Portugal Telecom em 2005. Mas a predisposição é comentar: “Cara sortudo!” Porém, esse mesmo autor, tão bem resolvido na pequena biografia da orelha do livro, dono de um sorriso cativante na fotografia da aba, poderia ser encontrado atendendo os fregueses do sebo Ao Pé da Letra, em Porto Alegre, no início dos anos 90. Em 1994, Amilcar estava do outro lado de um guichê do Banco do Brasil. Passa mais um tempo, está vendendo seguros. Outro tanto e o autor chegou a ganhar a vida como recepcionista de um hotel na costa lusitana. 

Amilcar ainda foi engenheiro civil, profissão que exerceu por cinco anos, fez peritagens em obras no interior gaúcho, sempre escrevendo no tempo vago. Até conseguir se impor no cenário literário, ele demorou muito. Muito mesmo. Como ele relata: “Perdi a conta de quantas editoras para as quais mandei o livro. Foi recusado por todas, até que deixei de lado a idéia da publicação e me concentrei num outro livro, que terminei, enviei à editora e foi aprovado. Só depois de publicado esse livro (que na verdade era meu terceiro escrito) é que voltei àquele segundo, o entravado, "Os Lados do Círculo". Retrabalhei o livro, propus de novo à editora, que o publicou. E o livro acabou ganhando o grande prêmio, não é incrível?”  

Nasceu pra coisa? 

Sim, a literatura é incrível, e o que há por detrás dela mais ainda. Vá até sua livraria predileta. Ali, poderá observar uma trinca de volumes de capa preta sob o título em relevo de "Inferno Provisório". Romances! O autor é Luiz Ruffato. Poucas informações a seu respeito. É mineiro, tem 46 anos. Mas, ao dedilhar suas obras anteriores, o leitor destrinchará um punhado de prêmios como da Associação Paulista dos Críticos de Arte (três vezes) e Machado de Assis, da Fundação Biblioteca Nacional. Além disso, o sujeito inspirou uma peça de teatro e está editado na Itália, França e Espanha. 

Mas Ruffato, acredite, já foi ajudante de pipoqueiro e vendedor de quebra-queixo aos 6 anos de idade. Depois, pela ordem, atuou como caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil (do setor de algodão hidrófilo), torneiro-mecânico, jornalista, sócio de uma assessoria de imprensa, gerente de lanchonete, vendedor de livros autônomo. E desde 2003 vive apenas da literatura. 

Ruffato diz que não deseja mais nada, por isso é capaz de desejar tudo. Que a pretensão dos seus pais, semianalfabetos e pobres de Cataguases (MG), era que ele se transformasse em torneiro-mecânico. “Eu superei qualquer expectativa”, confessa. “Na minha casa havia um único livro, a Bíblia, do meu pai evangélico. Eu só vim a ser apresentado a um livro quando tinha uns 14 anos, e por acaso. Um dia, meu pai conseguiu uma vaga para mim numa escola boa da cidade, onde estudavam os ricos. Eu me sentia um completo estranho no meio daquelas pessoas todas e então passei, por timidez e por exclusão, a circular pela biblioteca, como meio de fuga. Entrava e ficava perambulando por entre as mesas e cadeiras. Até que um dia a bibliotecária me entregou um livro e eu não tive coragem de recusar. Levei-o para casa, li, fiquei doente e daí para a frente passei a ser um voraz e onívoro consumidor de livros”, afirma.  

Fama instantânea? 

Autor de "Cinzas do Norte", que vendeu 15 mil exemplares e recebeu os prêmios Jabuti, Portugal Telecom, Bravo! e APCA, o amazonense Milton Hatoum, 55 anos, navega numa maré boa de superlativos. Mas nem sempre a vida lhe sorriu assim. Sua consagração atual esconde uma luta incansável, e nada vã, com as palavras. Ele só conseguiu publicar em 1989 (aos 37 anos, portanto). Tratava-se do elogiado romance "Relato de um Certo Oriente", que imediatamente conquistou os leitores mais exigentes. 

Antes, Hatoum estudou arquitetura na USP, estagiou numa construtora, lecionou em faculdade do interior de São Paulo, envolveu-se em projetos arquitetônicos na década de 70, colaborou com a seção de cultura da revista IstoÉ, morou mais de quatro anos na Europa. De 1985 a 1999, entrava em sala de aula como pacato professor da Universidade Federal do Amazonas. Passou algumas temporadas na Califórnia, onde conduziu atividades na Universidade de Berkeley. 

Nada mal para quem fez bicos inimagináveis na Espanha, como cantar nas calçadas de Madri. Ao lado de uma exilada argentina, Hatoum entoava alguns clássicos da MPB para completar o orçamento. “A gente aprende com os erros. Não há nada mais humano que o fracasso. Aprendi a dialogar. Escrevo um manuscrito e dialogo com os editores, os amigos. E aprendo com eles. Acho que ninguém sabe o que vai acontecer com um livro. É um grande mistério. Às vezes é um fracasso total, outras vezes pode cair nas graças do bom leitor. E não há prêmio que substitua um bom leitor, porque ele justifica a literatura. Não esperava ser lido por um grande número de leitores, e isso está acontecendo com o "Dois Irmãos". Pensava que minha mãe seria a única leitora. E ela, ao contrário, tinha certeza de que meus livros seriam sucesso de público e crítica. Quis saber por que, e ela respondeu: ‘Você nunca vai saber o que é intuição de mãe’,” afirma ele.  

Trabalho fácil? 

Teimosia é confiança no talento. O escritor gaúcho Charles Kiefer, 48 anos, literalmente correu atrás da máquina. Foi motorista de caminhão, bancário, jornalista, passador de sinteco, vendedor de enciclopédia, datilógrafo, radialista, funcionário de cooperativa agrícola, assessor editorial, instrutor de oficinas literárias, secretário de Cultura de Porto Alegre e sub-secretário de Cultura do estado do Rio Grande do Sul. 

Kiefer já vendeu mais de 100 mil exemplares de sua novela "Caminhando na Chuva". Ganhou alguns Jabutis. Outros livros seus viraram argumentos para filmes. Sua ascensão contou com a solidariedade generosa da namorada, na época em que vendia peixes de porta em porta. A mãe de sua primeira filha fingia que não reparava em seu insuportável cheiro de cardume. Hoje ele não cheira mais a mar, mas não abdica de nenhuma das experiências anteriores que o ajudaram a elaborar personagens. 

Outrora colono da pacata cidade de Três de Maio, nos rincões gaúchos, Charles Kiefer hoje ensina criação literária a aspirantes a escritores na PUC de Porto Alegre. É capaz de falar com propriedade da importância de partir para a rua e conhecer o mundo como ele é. “Tenho um romance, "Valsa para Bruno Stein", que agora virou filme, que se passa numa olaria. Todo mundo me pergunta como é que sei tanto sobre o processo de industrialização primitivo de uma olaria. Ora, entre os muitos trabalhos que fiz na vida, um deles foi trabalhar em olaria, cortando barro, gradeando tijolos, enfornando tijolos, queimando tijolos e, finalmente, transportando os tijolos prontos num velho caminhão F-600. A viagem do escritor tem 5 mil quilômetros, mas é preciso dar o primeiro passo. Se eu escrevesse para ganhar dinheiro, já teria desistido. Eu escrevo para salvar a mim mesmo”, afirma. 

Por Fabrício Carpinejar.

Fonte: Revista Vida Simples, Edição 59, novembro de 2007, 48/50.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Poesia: a precisão do impreciso. Ronald Augusto


Ronald Augusto
Cada poema é um lance no jogo de conquista — ou de negaceio — do impreciso. A rigor a poesia não esclarece coisa nenhuma, nem se presta à transmissão de mensagens sem rasuras. A mensagem poética tende a ser mais ambígua. Seu fazer, que é afasia (distúrbio de linguagem e de comunicação), parece pretender ficar rente àquelas zonas mais obscuras e insondáveis da experiência. Seu movimento sígnico em realidade busca não dissimular, mas sim problematizar um aspecto crítico da linguagem, ao qual não se dá a devida atenção, a saber: a crença infundada de que apenas uma linguagem articulada (a prosa, por exemplo) e seu corolário — uma objetividade desinteressada e quase transparente —, é capaz de iluminar e decodificar o íntimo dos seres e das coisas.

A anotação à margem do discurso verbal, logocêntrico por dever de ofício, não é senão um recorte de representação, uma angulação sobre determinado reduto da experiência com relação a qual estabelecemos um acordo semiótico de concordância entre signo e objeto. Ou seja, a palavra quando se localiza aquém do âmbito da função estética enfraquece seu impulso sugestivo. Mas o discurso verbal lógico- analítico ainda goza de crédito e, na maior parte do tempo, é por meio dele que imaginamos e construímos o mundo objetivo, que precisa funcionar a qualquer custo. Entretanto, semelhante linguagem não é suficiente para dizê-lo em toda a sua complexidade. Na prática, o resultado é bem outro. Tal pretensão de desvelamento acaba, ao contrário, projetando sombras de sentido e mal entendidos em tomo à totalidade dos objetos. Mais do que “signo tradutor por excelência”, a palavra como legenda se depara o tempo todo com as suas margens e sua arbitrariedade.

O poeta exercita formas vertiginosas do signo linguístico. Seu exercício e os instrumentos de expressão de que se utiliza, ao fim e ao cabo, serão considerados a partir de um objeto estético construído seja sob que motivação social, individual ou metafisica, enfim, desde os contornos de uma objetividade definida ou, ainda, desde uma subjetividade tomada precisa: o poema mesmo, ser de linguagem que apresenta uma coesão fundo-forma.

Segundo Wittgenstein, os “problemas filosóficos” são produzidos quando o que deve ser silenciado termina por ser dito. O que pode ser expresso com clareza, sem erros de linguagem (afasias) não seria, portanto, poesia. Por outro lado, diz-se com certa insistência — o que, aliás, deveria nos conduzir a uma suspeição ou resguardo com relação ao aspecto avassalador da afirmativa que segue — que a poesia “diz o indizível”. Mas, se Wittgenstein tem razão quando afirma que “acerca daquilo de que não se pode falar, deve-se silenciar”, como emprestar credibilidade ao supostamente indizível que a linguagem poética materializaria no lance de sua invenção? Efetivamente, a poesia diz o indizível? E como, em caso afirmativo, ela o diz?

A meu ver, a poesia propõe figuras visuais e fono-semânticas para esse festejado indizível. A partir dos equívocos e esquivos jogos de linguagem, das ilusões e convenções gramaticais, a poesia estrutura a sua linguagem lacunar entretecida ao silêncio (aqui entendido como valor musical, em posição dialógica com o som, a palavra enunciada). A signagem poética, ao fim e ao cabo, não diz o que se passa no mais íntimo do silêncio ou do vazio metafísicos. Com efeito. a poesia, a par de sua efemeridade (um acabar-começar de linguagem), tenta comunicar por meio de procedimentos estéticos e formais (rima, aliteração. paronomásia, metro, espaços em branco, etc.), isto é, tenta plasmar, ou presentificar como coisa-pensamento, como signo, aquilo de que, antes, não se podia falar. O indizível se resolve, ou passa a ser aludido, então, num poema: silêncios e vazios ativos, corpóreos. O que devia ser silenciado alcança uma formulação simbólica possível, uma estrutura mensurável: o leitor se abandona à metáfora de uma “música calada” informada por um ritmo. O poema projeta a sua ambigüidade de som e sentido sobre as tensões de filosofemas fruíveis.

Ronald Augusto, poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983); Pua (1987); Kânhamo (1987); Vá de Valha (1992); Confissões Aplicadas (2004); e No assoalho duro (2007). Dá expediente no blog WWW.poesia-pau.blospot.com


segunda-feira, 19 de julho de 2010

Alerta ao leitor: você está sendo manipulado!



Especialistas falam das leis que regem o mercado dos livros mais vendidos

“Como posso escrever um livro pensando em agradar ao mesmo tempo a um caminhoneiro, uma dona de casa do Kansas e um nobre inglês? O que faço é seguir uma trilha imaginária de ideias que satisfaçam a minha curiosidade e emoções. O resto é sorte.” Sidney Sheldon (Não é tão simples assim. Estratégia de marketing, muito marketing, eis o segredo)

O prato fundo aguardava pelo caldo quente de uma receita que, estava certo, só poderia ser mágica, talvez até magicamente malévola. Um conforto apetitoso para os inocentes juízes que imaginam ser próprio da alquimia criar algo que escapa de sua compreensão e, pior, de seu controle. Mas a sopa não veio e no prato fundo ficou apenas o reflexo de dúvidas projetadas na porcelana da lógica crítica. O que best-sellers e mega-sellers têm a ver com isso? Eles eram o prato do dia, o que não foi servido. Imaginava-se que esse prato poderia ser desmembrado pelo aguçado paladar de gourmets literários prontos para descrever todos os ingredientes que fizeram daquela obra um caldo comercialmente imbatível e, quem sabe, copiar a receita em causa própria.

Quando surgiu na mesa a ideia de um texto sobre a liga que une livros de ficção que vendem milhões de cópias, havia no ar uma condenável inocência de que não poderia ser tão difícil assim, ou ao menos não tão rebuscadamente difícil, extrair o sumo do sucesso editorial de títulos que, a despeito de todas as profecias sobre o fim do livro, quebram recordes de venda, chegam aos cinemas, à TV e transformam alguns escritores em milionárias ou bilionárias celebridades. Mas aí veio o primeiro sinal de que a sopa não chegaria assim mágica à mesa. Depois de um silencioso suspiro, Luciana Villas-Boas, diretora editorial da Record, foi desanimadoramente sincera: “Acho essa matéria que você está fazendo tão difícil. Acho que você vai penar.”

O que Luciana gentilmente quis dizer é que, não, ela não tinha receita, sequer ingredientes, que pudessem apontar o caminho das galinhas dos ovos de ouro do mercado editorial. No entanto, assim como ela, vários outros editores nos levaram a entender que, uma vez dentro da indústria de romances comerciais, existe, da parte das companhias editoras, um jogo de apostas altas em um atípico pôquer de cartas que se repetem na mesa, ainda que quase todas elas sejam de baralhos diferentes. E que, sim, assim como todo jogo, é preciso Sorte e Sensibilidade, nessa ordem, para saber jogar alto em títulos que podem dar certo.

Com a Sorte, a mesma mencionada acima pelo best-seller Sidney Sheldon, não nos foi cedida conversa. Mas com a Sensibilidade, houve um diálogo mais ou menos consensual que nos levou a entender, por exemplo, por que dificilmente um romance brasileiro emplaca entre os mais vendidos e quais os motivos que levam um editor a comprar os direitos de alguns títulos nos cada vez mais disputados leilões editoriais. 

E antes de falar da Sensibilidade, uma breve introdução ao contexto das cartas repetidas.

No Brasil muito em particular, o mercado comporta pouca diversidade de títulos por ano. Em 2009, foram publicados cerca de 22 mil diferentes livros novos, enquanto nos Estados Unidos esse número foi de mais de 520 mil. Sendo assim, e segundo os editores brasileiros, não há espaço para a coexistência para mais de uma, ou no máximo duas febres temáticas. Portanto, a lista dos livros de ficção mais vendidos reflete aquilo que chamaremos da síndrome Andy Warhol do mercado editorial. Uma que transforma temas da ficção em uma serialização que pega carona e, para refletir recente caso de tema dominante, vampiriza um ou dois títulos de sucesso. As editoras passam a adotar uma reprodutibilidade mecânica refletida em estranhamente semelhantes capas de livro. No decalque editorial, alguns lançamentos chamam atenção pelo pouco disfarçado sintoma de Mulher Solteira Procura. 

De outra maneira, não há como explicar casos como da capa e o próprio nome de Chá das cinco com o vampiro, da editora Objetiva. O livro, escrito pelo paranaense Miguel Sanches Neto, nasceu de conversas com o escritor curitibano Dalton Trevisan (conhecido por sua reclusão e nada contente com o lançamento de Sanches Neto), e agora é vendido, ao menos superficialmente, como mais um romance vampiresco adolescente, com direito a uma capa escura que ilustra a meia imagem de um aparentemente sedutor e nobre sanguessuga.

Apostando na compra impulsiva das imagens repetidas – mais uma vez, Andy Warhol, o profeta – a Objetiva e outras editoras como a Novo Século que recentemente lançou Opúsculo, paródia da saga Crepúsculo com capa e fontes praticamente idênticas à dos livros de Stephenie Meyer, tentam se segurar em alguma brecha do tronco temático para não sofrer as consequências dos ventos fortes que devastam os mais fracos .
Mas o caso da reprodução dos vampiros – e hoje o maior achado editorial não está na saga Crepúsculo (Intrínseca) e sim nos também seriados romances de Diários de um vampiro (Record) – é apenas mais um dos vários exemplos de temas dominantes que puxa linhas de genéricos e similares. Nos anos 1980, eram os thrillers policiais que se espalhavam pelos mais nobres displays das livrarias, em meados dos anos 90, com o surgimento do fenômeno Harry Potter (cujos direitos de publicação dos dois primeiros livros foram adquiridos por uma pechincha de 5 mil dólares pela editora Nova Fronteira), se espalhou pelo mercado brasileiro a febre da literatura fantástica, mais tarde ancorada por lançamentos cinematográficos que deram maior impulsão à venda dos livros.

As editoras começaram então a observar o público jovem com outros olhos e, com a garantia da preservação de best-sellers adultos por aquilo que não deixa de ser uma continuidade do fantástico em temas religiosos (O código da Vinci e seus discípulos), elas investiram nos anos 2000 em romances com jovens protagonistas que, entre eventos de aventuras sobrenaturais, estavam dispostos a evangelizar sobre o amor e o pecado original. Nada disso, no entanto, estava previsto. Para desconsolo de quem trabalha comprando o futuro, todas essas tendências simplesmente aconteceram.

“Esse é o mercado do imponderável”, sintetiza o professor e diretor da Biblioteca Nacional, Muniz Sodré, um dos poucos acadêmicos a publicar um livro sobre o mercado e os pontos de interseção entre os livros mais vendidos: Best-Sellers, a literatura de mercado, na coleção Princípios (Ática), publicado em 1988, quando o termo mega-sellers (títulos que vendem milhões) ainda não existia.

Para Sodré, sempre existiram e continuarão existindo pontos em comum entre todos os best-sellers de ficção, a independer do gênero em que eles se encaixam. Segundo ele, do ponto de vista do conteúdo, há quatro elementos presentes em todos os mais vendidos. O primeiro seria uma “retórica literária e clichês bem agenciados”, com uma linguagem de fácil acesso e amplo espaço para diálogos. O segundo seria a presença constante do mito do herói e, por tabela, a oposição entre o Bem e o Mal. O terceiro elemento seria o da “atualidade”, que tenta dar contextos contemporâneos à trama desenrolada e, por fim, o fator “pedagógico”, aquele que, no dobrar da última página, sempre tem algo a ensinar nas esperadas lições de moral. Com todos esses elementos se constrói uma literatura – e Sodré sustenta que se trata sim de uma literatura – “normalizadora”, em que facilmente o leitor consegue identificar o “normal” e o “estranho”. “A única diferença desses títulos para literatura canônica é que os grandes escritores inventam em cima da língua vernacular escrita. Eles criam uma nova língua. A literatura de massa não ficcionaliza a língua, mas sim o conteúdo.”

Os editores que buscam novos títulos, conhecedores e já experientes em identificar todos esses elementos, sustentam que eles podem até ajudar na hora de fazer escolhas, mas não determinam decisões. O que determina, segundo Tomás Pereira, um dos sócios da editora Sextante (nome constante na lista dos 10 mais vendidos), é a sensibilidade de leitor e a Amazon. “Acredito que a Amazon foi uma revolução no mercado editorial. Há uma grande quantidade de informação sobre cada título ali, explicações e referências muito mais vastas que qualquer livraria poderia oferecer. Se eu quero saber o ranking de vendas de um livro lá fora, posso ver como ele funcionou na França, na Alemanha. O que está começando a fazer sucesso nos Estados Unidos, as críticas, opinião dos leitores, tudo isso encontro lá”. Quanto ao “feeling”, Pereira explica que o processo é bem simples: “A primeira pergunta que você se faz é ‘qual é o tema desse livro?’. A segunda é ‘É um livro que leio com maior facilidade?’ e depois vem a sua própria experiência de leitor”.

Tomás Pereira, que hoje divide com seu irmão Marcos Pereira a tarefa de comandar a Sextante, lembra que a editora começou a publicar ficções depois que seu pai, Geraldo Jordão, leu sobre O código da Vinci na revista Publisher’s Weekly. “Ele resolveu então ler a história. E no dia depois que tinha pego o livro, disse que deveríamos publicar aquilo”, lembra Tomás. A essa altura, o romance começava a fazer sucesso nos Estados Unidos, mas o autor Dan Brown ainda era um ilustre desconhecido do leitor brasileiro. Com insistência do pai e relutância dos filhos, os direitos de publicação foram comprados por 12 mil dólares (contra 10 mil dólares que a Record havia oferecido, na pessoa de Luciana Villas-Boas). Os caixas das livrarias, a receita da Sextante e os mais de três milhões de exemplares vendidos só no Brasil sabem o resto da história.

Ao contrário de Muniz Sodré, Tomás acredita que, uma vez criadas as caixas que compartimentam gêneros, esses romances que vendem centenas de milhares e milhões de exemplares não deveriam ser chamados de literatura. “Trata-se de ficção comercial”, simplifica ele. “Acho que há leituras das quais você sai enriquecido com ideias e conceitos que você guarda pra vida inteira. Isso é literatura. Desses livros comerciais, posso não lembrar nada depois que fecho a última página, mas não vou esquecer aquela experiência extremamente prazerosa que tive durante sua leitura”. Para Tomás, é essa “experiência de leitura” a seiva que alimenta a procura pelo próximo grande best-seller.

Com um termo mais mercadológico, Juliana Cirne, que gerencia a comunicação da editora Intrínseca (coligada da editora Sextante e proprietária dos direitos da saga do jovem Percy Jackson, o novo Harry Potter), define isso como uma “pegada de turning pages” que, em outras palavras, seria explicada pelo grau de ansiedade que um leitor tem em saber o que acontece na próxima página.

Veterana de cassinos do mercado editorial, Luciana Villas-Boas diz que nem mesmo a sensibilidade de leitora ajuda na hora de escolher alguns títulos. “Acho que essa sensibilidade vai até se deteriorando com o tempo”, reflete. Ainda assim, experiente no ramo, ela afirma que, em última análise, tudo se reduz a um jogo e que, não, profissionais do marketing e a vasta publicação sobre tendências de consumo não têm relação alguma com o que acontece no mercado editorial. (Humm. Será???) 

“É impossível que análises de consumo (?) identifiquem tendências para o mercado editorial.” Ainda segundo Luciana, essas mesmas pesquisas de marketing podem sim ajudar na venda dos livros, mas não na produção deles ou seleção de títulos por parte das editoras. “Se houvesse fórmula o negócio editorial não seria tão difícil. Você tem que apostar em vários títulos que não certo para conseguir achar um que sustenta a editora por muito tempo. Há um elemento de jogo muito grande”, garante.

Nesse jogo de mais exceções do que regras, há três pontos em comum entre todos as pessoas entrevistadas para este texto. A primeira é de que se torna mais fácil promover e vender um título hoje entrando em contato direto com o leitor, seja a partir de comunidades na internet ou mesmo com a bem-sucedida distribuição de livros pela Avon (as revendedoras da linha de cosméticos venderam cerca de 300 mil cópias da Menina que roubava livros por todo o País, incluindo aí localizações sem acesso a livrarias).

O segundo consenso está na resposta do porquê da comum ausência de títulos nacionais na lista dos mais vendidos. “Raramente no Brasil você tem histórias que retratem um momento histórico e que sejam contadas com uma linguagem fina, porém sem malabarismos vanguardistas e sem buscar a linguagem da rua que o escritor desconhece e, por isso, quando escreve, soa muitas vezes forçada”, aponta Luciana. Juliana Cirne, da Intrínseca, pontua que o caso é, em alguns momentos, prioridade administrativa. “Já chegaram coisas muito bacanas de escritores brasileiros, mas ainda não temos estrutura para atender o autor nacional, que é alguém que acompanha mais de perto o processo de edição do livro. Mas estamos crescendo muito, quem sabe logo em breve teremos esse espaço”.

Tomás Pereira, da Sextante, retoma a questão do conteúdo industrial: “Falta quantidade e qualidade” para que romances nacionais se encaixem no perfil comercial. Muniz Sodré segue a mesma opinião: “A quantidade acaba gerando qualidade e o Brasil não tem uma indústria editorial forte que comporte uma grande produção nacional.” Para todos eles, questões de identificações com realidades mais próximas podem muito bem ser substituídas por elementos universais da fantasia que se desloca de um eixo local.

O terceiro ponto em comum no caso específico do Brasil se explica com aquele efeito da síndrome Andy Warhol. Os editores entendem que existem filões temáticos e, para eles, nada mais natural que buscar o melhor caminho na mesma estrada. Até que, um dia, a repetição se esgote, o tema se sature e alguém comece a juntar os misteriosos ingredientes certos para a próxima sopa que irá aquecer o mercado editorial.” (negritei!)

Fonte: Pernambuco. Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado. Edição 51.

Acesse também: singrando horizontes.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

“Se queres ser universal, começa a pintar a tua aldeia.” Léon Tolstói


Liev Tolstói, também conhecido como Léon Tolstói ou Leão Tolstoi ou Leo Tolstoy, Lev Nikoláievich Tolstói (Yasnaya Polyana, 9 de setembro de 1828 – Astapovo, 20 de novembro de 1910) é considerado um dos maiores escritores de todos os tempos.

Além de sua fama como escritor, Tolstoi ficou famoso por tornar-se, na velhice, um pacifista, cujos textos e idéias batiam de frente com as igrejas e governos, pregando uma vida simples e em proximidade à natureza.

Junto a Fiódor Dostoiévski, Gorki e Tchecov, Tolstói foi um dos grandes da literatura russa do século XIX. Suas obras mais famosas são Guerra e Paz, sobre as campanhas de Napoleão na Rússia, e Anna Karenina, onde denuncia o ambiente hipócrita da época e realiza um dos retratos femininos mais profundos e sugestivos da Literatura. Foi excomungado pela Igreja Ortodoxa Russa, religião dominante no seu país, depois de tanto criticá-la.

O escritor entendia como dogmas irracionais, que serviam para dominar o povo, alguns dos conceitos mais caros à Igreja. Considerava e seguia a doutrina de Jesus, mas achava impossível, por exemplo, que Jesus pudesse ser um homem e Deus, ao mesmo tempo. Para Tolstoi, Deus estava nas próprias pessoas e em suas ações e Jesus teria sido, para ele, o homem que melhor soube exprimir uma conduta moral que gerasse justiça, felicidade e elevasse espiritualmente a todos os homens.

Seu cristianismo exacerbado, no fim de sua vida, assemelhava-se ao cristianismo primitivo. Em alguns trabalhos publicados, seus textos foram muito mais longe que suas atitudes pessoais, como em “Sonata a Kreutzer”, que mostra uma tendência a exaltar o celibato, porém o escritor ainda teve filhos depois desta obra. Pouco antes de sua morte, seus amigos o aconselharam a se retratar com a Igreja, este porém, recusando-se.

Nos trens e nas estações por que passava, Tolstoi era reconhecido por todos, já que era o homem mais famoso da Rússia. Porém, devido a sua preferência em viajar em vagões de terceira classe, onde havia frio e fumaça, o já debilitado escritor contraiu uma pneumonia, que foi agravando rapidamente. No dia 20 de novembro de 1910, o velho escritor morreu durante a fuga, de pneumonia, na estação ferroviária de Astapovo, província de Riazan.

O trem funerário que trazia seu corpo foi recebido por camponeses e operários que viviam próximos à propriedade dos Tolstoi. Seu caixão foi carregado seguido por uma multidão de 3 a 4 mil pessoas. O número teria sido ainda maior se o governo de São Petesburgo não tivesse proibido a vinda de trens especiais de Moscou para o enterro do escritor. Sua morte foi noticiada nos principais jornais do mundo.

(Fonte: Poeira Cósmica)

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Musicalidade. Priscila Fernanda Rech


o que toca é o gelo do
esquecimento
o burburinho do quarto a ressoar –
volta!

volta que o silêncio me esgota
me esculhamba
a mania de querer-te tua
um dia!

dia, noite
o que for
o que vier
topo tudo.

topo-gigio. topografias altas. toco até flauta. tamborins.

trampolins
porque não há rima tamborins.

trampolins em lá maior, sol, sustenidos.

sustenido relato do meu grito
meu pavor
meu pudor
meus ais descabelados.

descabelados calados no quarto
nu
sem voz
sem ti 

(julho de 2010)

Mais sobre a autora, acesse o blogue Pirilampo S em verso  ou clique em:

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Literatura sem limites. Daniel Galera



Daniel Galera recebeu APLAUSO para uma conversa na mesma Zona Sul porto-alegrense que serviu de cenário para Mãos de Cavalo – “o romance revelação da nova narrativa brasileira”, como foi definido na Itália, onde já vendeu quatro mil exemplares e chegou a uma segunda impressão raríssima em se tratando de autores daqui em mercados estrangeiros. Na França, a obra acaba de sair pela célebre Gallimard.

Voltando ao Brasil: as novidades são a iminente publicação da graphic novel Cachalote e o retorno a Porto Alegre, depois de longa temporada em São Paulo, seguida de uma espécie de retiro em Garopaba. “Nunca deixei de ser um escritor daqui, embora não acredite em recortes regionais”, diz. Galera, 30 anos, publicou quatro livros. Dois deles (o já citado Mãos de Cavalo e Cordilheira, de 2008) foram finalistas do Prêmio Jabuti.

O próximo romance deve ser lançado só no final do próximo ano. Mas já tem título, revelado com exclusividade na entrevista a seguir – em que o escritor mais importante da novíssima geração brasileira elogia a inventividade pós-experimental dos escritores contemporâneos, revela incômodo com a ânsia dos leitores pela fonte “real” da ficção e rejeita a existência de uma literatura gaúcha. “Isso é uma ilusão coletiva”, decreta.

Depois de quatro livros publicados, dá para dizer que atingiste a maturidade?

Odeio este termo. O que é ser maduro? Escrever bem? Isso é uma coisa. Encontrar uma forma ideal? É outra. Eu quero escrever sempre melhor. Mas não acredito na existência de um estado ideal, colocado em um lugar fixo. É uma forma engessada e equivocada de encarar a literatura. Quando escrevi o Mãos de Cavalo, utilizaram bastante o termo "maduro", comparando o livro com minhas publicações anteriores. Eu achava muito desagradável isso. Meus livros partem de ideias que vêm espontaneamente. Essa ideia vai exigir um choque, uma forma, um estilo, um formato, um gênero. Há escritores muito bons que tu jamais poderias chamar de maduros. São irregulares, exóticos, extravagantes em certo sentido. Só que aí tu vais ver a força do livro, o significado que ele teve para um certo público ou uma certa época... Balizar-se por uma suposta ideia de maturidade literária é algo potencialmente nocivo.

Reformulando a pergunta: tu já alcançaste uma voz própria?

Acredito no conceito de voz para o escritor. É a maneira pessoal, particular e intransferível que todo autor tem de se expressar. Isso parte muito da subjetividade do autor, da forma como ele filtra o mundo em linguagem. Estou sempre tentando identificar quais são os potenciais da minha forma de ver o mundo e, portanto, da minha voz literária, de como eu converto o mundo em ficção e linguagem.

O que significa receber da revista Bravo o “título” de candidato a maior representante da geração literária brasileira dos anos 2000?

Eu acho que, quando me apontam como representante de alguma coisa, talvez seja de um tipo de trajetória, de começar se autopublicando. Eu comecei a publicar na internet. Depois, criei um selo literário independente, pelo qual lancei meus dois primeiros livros. A partir disso, consegui um convite para publicar em uma grande editora. Talvez esse caminho seja um modelo de como as coisas estão acontecendo para alguns autores desta geração. Mas não consigo enxergar em mim uma representatividade em termos literários ou estéticos. O meu trabalho é bastante diferente da obra de vários autores muito bons da minha idade. Não me sinto representante de ninguém, de um projeto literário ou das características de uma geração. Não escrevo com essa ambição. Quando escrevo, estou pensando em necessidades e objetivos bastante pessoais.

Mas o teu nome surge nas rodas literárias como um dos grandes, senão o mais destacado, autor brasileiro da nova geração. No Rio Grande do Sul, autores jovens citam teu nome como referência.

O Mãos de Cavalo talvez tenha influenciado alguns autores mais novos que eu. Dois escritores que são meus amigos, o Antônio Xerxenesky e a Carol Bensimon, já me disseram isso e mencionaram o livro em entrevistas que eles deram. Mas há um erro comum quando se fala a respeito de influência. Influência não quer dizer que tu escreves como o autor que tu admiras. Se eu for citar aqui autores que eu admiro, a maioria deles não tem nada a ver com a minha própria literatura. Mas a força do texto do cara me inspirou, teve efeito sobre mim.

É possível identificar uma unidade na produção de novos autores?

Eu acho que a minha geração é justamente caracterizada por ter autores muito heterogêneos. Não é uma coisa local, nem brasileira, mas da literatura mundial. A época da experimentação tendo um valor por si foi levada ao extremo e já terminou. Aparentemente, tudo foi feito ou testado. Então, as referências dos novos autores são as mais variadas possíveis. Não existe mais uma divisão do que é mais ou menos literário. Tudo pode ser aproveitado, tudo é assunto possível. Acho que os autores mais recentes estão deitando e rolando nisso. Escrevem o que querem, sem ter necessariamente referenciais canônicos do que é boa ou má literatura. O trabalho do Antônio Xerxenesky é um exemplo disso. O livro dele, Areia nos Dentes, é uma metaficção que une referências de faroeste e de filmes de zumbis a uma história bastante sensível sobre uma relação entre pai e filho. Eu li há algum tempo o livro Sharp Teeth (do escritor americano Toby Barlow, ainda não traduzido para o português), uma história de lobisomens no deserto da Califórnia escrita em forma de poema épico. É absolutamente sensacional.

Nesta mistura de gêneros e influências, a literatura não fala só da própria literatura – e pouco da vida?

Concordo. Acho que uma das grandes armadilhas para o escritor é a sedução da literatura sobre a literatura. Ou escrever uma literatura mais voltada a outros autores, críticos, jornalistas e não ao leitor desconhecido, que poderá se emocionar e se envolver com o livro. Um autor que tratou isso de forma clara e frontal foi David Foster Wallace, um dos meus favoritos. Ele fala isto explicitamente: que talvez o grande desafio do escritor contemporâneo seja justamente escapar da tentação de fazer uma narrativa cheia de metaliteratura e referências. O Wallace fala que, provavelmente, os grandes vanguardistas da literatura atual são os caras que vão regredir a um texto mais conservador, e impor uma literatura com conteúdo mais emotivo. O grande desafio é, em um campo literário tão complexo e aberto, transmitir a emoção dos personagens, da história.

Tens um texto bastante elaborado e descritivo. Bem diferente de uma linguagem dinâmica e instantânea que, em tese, impera na internet e nos blogs, tua origem.

Essa coisa da linguagem ideal em blogs é um mito. O blog é apenas um meio. Muitos blogs que eu gosto de ler são de caras que escrevem de forma totalmente prolixa e preciosista. Supôs-se que uma linguagem mais veloz e direta seria mais adequada. Mas, se tu vais ler blogs de fato, não é isso que tu encontras. Acho que é uma visão bastante equivocada do senso comum a respeito do que são os blogs.

Concordas que, às vezes, o teu texto é bastante descritivo, constrói detalhadamente as cenas e imagens e, em certo sentido, destoa de uma linguagem mais econômica e concentrada na ação?

Em Mãos de Cavalo foi proposital. Pela natureza da história, decidi fazer assim, com descrições bastante detalhadas. Tentei montar os cenários e a aparências dos personagens com o máximo de detalhes possível. Não privando a imaginação do leitor de fazer seu trabalho, mas com muita informação para que ele pudesse imaginar as cenas. Era um livro que tinha como característica um pouco de evocação, apesar de ser uma história fictícia. Evoca a visão de como era o lugar onde eu cresci. As árvores ali descritas existem, se tu saíres aqui em volta tu vais encontrá-las. No Cordilheira, eu já relaxo um pouco, não entro em descrições tão minuciosas. Mas eu gosto de escrever assim. Acho que uma parte do meu estilo é caprichar nas descrições. Não no sentido de serem exaustivas, mas de terem uma riqueza de detalhes que coloca na página, realmente, a cena, o sentimento, o rosto. Não me contenta dizer apenas que “o rosto é assustador” e “a rua é lúgubre”.

Quando foi lançado o Mãos de Cavalo, falou-se muito do caráter autobiográfico do livro. O Cordilheira aborda explicitamente os limites da literatura e da vida. A questão das fronteiras entre realidade e ficção vem acompanhando tua trajetória.

Penso muito nisso. Na percepção do público, a figura do autor se tornou uma parte do que é a obra. Não só na literatura. É um fenômeno cultural da época. A estética documental impera. Tanto no cinema quanto em outras formas narrativas, quer-se saber o vínculo do que está sendo contado com a realidade. É uma certa desvalorização da invenção, da fábula. Parece que o que foi inventado, tirado do nada para fins narrativos, só tem valor se cotejado com a sua referência real. As pessoas querem saber de onde veio. E, se tu não disseres, elas presumirão de onde veio. O leitor precisa disso hoje em dia. Se me perguntam se um conto ou um romance é autobiográfico, qualquer resposta que eu der não dará conta da verdade. As coisas não funcionam assim. A ficção não pode ser dividida entre autobiográfico e não autobiográfico. A ficção tem suas próprias regras e características. Existe por si só. É uma terceira entidade que não precisa tomar o lado da fabulação ou da realidade. Ela usa as duas coisas. A ficção usa tanto a experiência real do autor quanto a invenção pura. Procurar os componentes biográficos e autobiográficos numa obra é uma postura equivocada.

À parte se isso é certo ou errado, o fato é que a presença, no texto, da realidade vivida tem valor para o leitor...

Estamos em uma etapa posterior ao realismo. Não basta ser uma representação extremamente fiel do real. O que está descrito e elaborado na obra deve, de alguma forma, decalcar o que aconteceu, o que é. Algumas vezes, confundo as coisas de propósito. Fiz isso, mesmo sem saber, num conto chamado "Manual para Atropelar Cachorros", publicado no meu livro Dentes Guardados. O conto força uma situação bárbara, em que um cara da minha idade, que fazia o curso de Comunicação como eu, resolve sair de madrugada para atropelar cachorros. Eu recebi muitas mensagens de amigos dizendo não acreditar que eu fazia aquilo. Foi ali que senti na pele o desejo do leitor de que o conto estivesse ligado ao autor. E o leitor cria um personagem para ti, para conseguir fazer essa ponte.

O pensador francês Jean Baudrillard dizia que o abalo do muro entre realidade e ficção é grande fonte de angústia na nossa época.

Em essência, nada é real. A nossa percepção de mundo e a de nós mesmos são só uma versão das coisas. Estão baseadas em uma espécie de narrativa tirada de algum lugar. Há níveis de crença nessa versão. Talvez esses níveis de crença separem o que é realidade do que não é. O Cordilheira parte disto: a ideia que fazemos de nós mesmos é também uma construção ficcional, não muito diferente de um livro ou de um filme, mas é nessa que a gente mais acredita, logo tomamos como a realidade. É uma coisa que o Mãos de Cavalo já trabalhava. Até que ponto a identidade é uma coisa que pode ser construída, modificada, compreendida? Até que ponto ela é orgânica, natural, da química cerebral? Até que ponto existe um livre arbítrio quando tu moldas quem és? São questões particularmente importantes hoje, mais do que em outras épocas, algo muito explícito e incorporado à cultura popular.

O que se pode saber sobre teu novo romance?

Comecei em outubro de 2009. Só posso falar que se passa em Garopaba. Estou com um sétimo escrito e eu não gosto de falar de livros que ainda não estão prontos. Gera um tormento psicológico posterior que prejudica o próprio trabalho. Posso te dizer o título: Barba Ensopada de Sangue. Há anos anotei este nome em um caderno, não lembro nem a origem. Guardei para usar posteriormente. Pelo que está se encaminhando, até o momento, deve ser meu livro mais comprido. Com sorte, termino de escrevê-lo daqui a um ano. Apostaria no lançamento no final de 2011.

O título indica uma narrativa violenta.

Tem uma ou duas partes violentas, mas a história não é violenta. O romance abandona as discussões sobre ficção e realidade e sobre identidade. Busca outros temas. Ao mesmo tempo, mimetiza elementos de Até o dia em que o cão morreu e Mãos de Cavalo. Há coisas que voltam. Tem cachorro no livro. Agora eu percebo o acúmulo de pequenas obsessões temáticas e simbólicas das quais, aparentemente, não consigo me livrar. Quando eu estava desenvolvendo a história, não tinha cachorro nenhum. E apareceu esse cachorro e se tornou importantíssimo.

O romance tem algo a ver com as tuas experiências em Garopaba?

É um personagem que, como eu, vai lá com a intenção de ficar um pouco isolado. Por que ele vai? O que acontece com ele lá? Isso é completamente diferente. Eu fui para Garopaba para... nada. Simplesmente para morar na praia. Ficar isolado durante o período que me fosse conveniente. Eu tinha a ideia de que provavelmente sairia dessa experiência, entre outras coisas, com um cenário para escrever algo. Mas não fui lá para isso. Trabalhei pouco em Garopaba. Fui lá para, sei lá, estar lá.

Como surgiu a ideia de produzir a HQ Cachalote?

O Rafael Coutinho (quadrinista de São Paulo) estava procurando alguém para escrever uma graphic novel com ele. Um amigo em comum nos apresentou. Em um mês estávamos começando a pensar nas idéias do livro que faríamos juntos. Começamos a criar os personagens, o roteiro, enquanto eu morava em São Paulo. Até no bar discutíamos o assunto. Quando fui pra Garopaba, nos encontramos algumas vezes. Mas boa parte do trabalho foi feita separadamente. Conversávamos por Skype.

Do que trata?

É um único volume com seis histórias. São totalmente diferentes e não se cruzam. Difícil de resumir. Ganham mais significado quando vistas em conjunto, embora sejam independentes. Mas estão entremeadas em um livro de 300 páginas. É de uma matriz realista, mas nos sentimos na liberdade de fazer concessões para situações meio surreais, fantasiosas e misteriosas quando parecia interessante. O cachalote aparece, mas não é determinante para a história. Gostamos da palavra e da baleia. Mas não é a chave para compreender o texto. O Rafael (Coutinho, corroteirista e autor dos desenhos) disse em entrevista à Folha de São Paulo que nem ele sabe sobre o que é o livro. E ele não estava enrolando.

O que significa ser um autor de Porto Alegre?

Não significa nada além de que o autor mora em Porto Alegre. A minha vida foi quase toda passada na cidade, a minha referência de mundo parte daqui. Eu acabo utilizando os cenários que foram e são importantes na minha vida, pelos quais eu passo e vivo alguma coisa representativa. Então Porto Alegre ainda é o meu cenário principal. As pessoas daqui não me veem como um escritor daqui.

Não veem?

Depende. Se eu estiver morando em Porto Alegre, veem. Se não estiver, não veem. Quando eu comecei a publicar, a imprensa local se referia a mim, naturalmente, como um autor porto-alegrense ou gaúcho. Quando me mudei para São Paulo, virei um autor que iniciou a carreira em Porto Alegre e mora em São Paulo. É uma coisa bem gaúcha, uma forma muito autocentrada e separada de se ver em relação ao resto do país. Do meu ponto de vista, nunca deixei de ser porto-alegrense ou gaúcho. Mas aqui há uma dúvida, porque eu nasci em São Paulo e vim para Porto Alegre com um ano. Não que me tratem mal. Mas há um questionamento: será que ele merece ser chamado de gaúcho? Na verdade, eu não acredito nos recortes regionais.

Não existem literaturas regionais? Erico Verissimo, por exemplo, não fez literatura gaúcha?

Não vejo como literatura gaúcha. É um autor importantíssimo para a nossa cultura. Mas não consigo pensar na literatura como guetos regionais. Não faz sentido para mim. Eu acho esse recorte desnecessário ou até nocivo. Eventualmente, serve para organizar um estudo acadêmico. Mas não existe uma literatura gaúcha. Assim como não existe uma literatura paulista, carioca, nordestina ou recifense. Essa é uma visão que só se encontra aqui. E é uma ilusão. Existem algumas diferenças temáticas, mas resumir a questão a isso é o que se chama de atenção seletiva. Captam-se uns padrõezinhos e joga-se um rótulo. A existência desse rótulo pode conduzir aos temas ideais para a literatura gaúcha e aos não tão ideais. Os temas mais e menos literários. As referências mais nobres e menos nobres para um autor gaúcho. É nisso que decai. Isso pode limitar não só a compreensão do que é a literatura produzida naquela região, mas até a própria produção e a crítica dessa produção por um critério que não traz nada de bom para a literatura. É uma ilusão coletiva. Essa distinção nunca serviu para muita coisa. E, cada vez mais, é anacrônica. Não tem nada a ver com o mundo de hoje. Se tu vais falar sobre isso com outros autores gaúchos, eles têm a mesma opinião. Uma vez, participei de um painel na Jornada de Passo Fundo sobre a literatura gaúcha. Eu fui preparado para dizer que isso não existe e para ser carneado. A mesa tinha também o Moacyr Scliar, o Fabrício Carpinejar, a Letícia Wierzchowski e o Charles Kiefer. Para a minha surpresa, todo mundo concordava que esse negócio de literatura gaúcha não importa, que temos de nos livrar disso, que nos afasta do resto do país e nos atrapalha em termos de mercado editorial. No fundo, todo mundo sabe que isso não serve para nada, só para limitar a literatura.

E a literatura brasileira em relação à do resto do mundo?

Até a distinção entre literaturas nacionais está se borrando um pouco. Se tu leres autores russos, americanos, japoneses, vês que está todo mundo no mesmo mundo. A distinção dos países vai criar cores locais, estilos locais, mas, em essência, a literatura é uma só. Há 100 anos, fazia sentido falar de uma literatura francesa, em comparação a uma literatura alemã ou russa. Hoje, a distinção não é tão clara.

O romance Até o Dia em que o Cão Morreu foi adaptada para o cinema pelo Beto Brant e os contos de Dentes Guardados originaram uma peça de Mario Bortolotto. Qual a relação da tua literatura com as outras formas de narrativa, principalmente o cinema e a televisão, hoje as principais criadoras de imaginários?

Com certeza, a literatura perdeu espaço na formação do imaginário. Mas é perigoso pensar que a literatura se tornou menos importante. Existem cada vez mais formatos e todos eles se impõem e têm que coexistir. Todas as formas de expressão têm menos espaço relativo com o passar do tempo. Existe uma visão, não necessariamente correta, de que a literatura concorre com o cinema. Temos a tentação de, à primeira vista, aceitar isso como verdade. Mas a literatura continua sendo uma das grandes fontes para o cinema. Talvez até mais do que antes. E o cinema, por outro lado, tem uma linguagem que influencia muito na forma como os autores escrevem, porque influencia a nossa forma de ver o mundo. Então não é que os dois formatos estejam concorrendo. A verdade é muito mais interessante e estimulante do que isso. Não há concorrência. Existe uma soma, um diálogo entre todas essas formas. Por isso, eu disse que os ideais literários são perigosos. Eles te fazem rechaçar referências que se somaram ao que é potencialmente literário nas últimas décadas, devido à ocupação de formas novas: cinema, videogames, música pop, etc.

Há novos projetos de adaptação de obras tuas?

Os direitos do Mãos de Cavalo e do Cordilheira já estão vendidos. Não têm filmes sendo feitos ainda. Estão em pré-produção, como se diz. Se tudo der certo, serão filmados. Mas não dá para dizer, nesse momento, que nenhum dos dois serão filmados, até onde eu sei. Não me envolvo demais. Os direitos do Cordilheira são, sabidamente, da RT Features, produtora de São Paulo que organizou e financiou o projeto Amores Expressos (que prevê a publicação de 16 livros de escritores brasileiros elaborados depois da estadia em alguma cidade estrangeira). Os direitos do Mãos de Cavalo estão vendidos para a M. Schmiedt Produções, da Monica Schmiedt, que lançou agora o Doce Brasil Holandês e produziu também os filmes Anahy de las Missiones e O Quatrilho. Os detalhes de como está a pré-produção é com eles. Acompanho pouco. Prefiro manter certa distância.

Qual teu plano de vida?

Nunca planejo minha vida por mais de seis meses. Agora quero escrever um próximo livro. Se chegar um momento em que eu não queira mais escrever, jogo tudo para o alto. Não continuarei escrevendo porque é legal ou bonito escrever ou porque comecei e tenho de ir até o fim. Vou escrever enquanto fizer sentido pra mim. Acho que fará sentido por muito tempo, provavelmente até o fim da minha vida. Mas não boto a mão no fogo.