Preciosidades

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Ler é mais importante que estudar. Ziraldo



Terminei a segunda parte deste artigo, ontem, da mesma maneira que terminei a primeira: dizendo que ninguém sabe ler neste país. É claro que esta é uma frase exagerada, tem a intenção de chamar a atenção para a gravidade do problema da leitura e da escrita no Brasil. Vale a explicação que dei ontem e vamos em frente.

Foi a palavra gravada na pedra, concreta, impressa para sempre, que ensinou, que informou, que registrou, que confirmou, que explicou e que permaneceu. Sem a palavra escrita – e impressa – o homem jamais teria chegado à lua.


A palavra escrita é básica! Logo, o que a escola fundamental tem que fazer é uma coisa só: ensinar a criança brasileira a ler e a escrever!!!!


Que nossas autoridades responsáveis não percam tempo. Paremos tudo no ensino fundamental. Vamos ensinar nossas crianças, apenas – apenas, mesmo, temos que ser drásticos – a arte da leitura e da escrita. (negritei)



Preparemos nossas escolas e nossos mestres para ensinarem nossas crianças a Gostar de Ler! Elas têm que entender o que lêem, a serem capazes de se expressar pela escrita.

É claro que o ensino total da leitura não é uma coisa imobilizante, como pode parecer quando falo disto com tanta ênfase. Enquanto se dá destaque absoluto a esta parte do ensino, é claro, a escola, ludicamente, pode ir interagindo com a criança – sem cobrar dela – para que ela se ajuste ao mundo, ao seu país, ao seu estado, à sua cidade, à sua rua, à sua escola e aprenda a ser cidadão. Sem perceber.


Pra terminar quero lembrar à professora que me escreveu: “Olha, professora, por favor, pega a sua turma – a que você acabou de alfabetizar – e não deixe nenhuma outra professora – nem a diretora da sua escola – tomar a turma de você enquanto você não tiver a certeza de que todos os seus alunos sabem ler e escrever como quem respira. Vá soltando um a um assim que você achar que cada um deles está pronto! Não tem nada dessa coisa anacrônica de ‘passar menino de ano’. Tem é que botar pra frente quem pode ir pra frente”.  (fonte: ziraldo)

 

domingo, 12 de dezembro de 2010

Hino Oficial de Palmeira das Missões - RS. Carlos Ribeiro e Maria Amaral Ribeiro


Letra: Maria do Amaral Ribeiro
Música: Carlos Ribeiro.

Oh! Palmeira das Missões
Terra heróica e centenária
Em teus filhos, grandes nomes
Do cenário nacional

Gente boa hospitaleira
Filhos teus vibram contentes
Em sentir o teu progresso
Comparado ao do Brasil


Oh! Palmeira das Missões
Terra forte, dadivosa
Com teus bravos agricultores
És a Capital da Soja

É a Palmeira das Missões
Feliz cantando, tua vitória
Avante, ó gente, palmeirense
Que o teu nome está na história.






Nome Original: Palmeira Centenária. Letra e música escritos em 1974, ano do centenário do município. Em concurso para o Hino do Centenário, a versão foi preterida. Na década de 1980, foi escolhida para ser o Hino Oficial do Município.







quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ondas de Libido. Natan de Alencar

Confesso que não cheguei a dizer tudo,
Quando disse um pouco do que me veio à cabeça.
Confesso que quando a matei, não fiz uso da técnica.

Mas, vejam, sou um animal das selvas urbanas.
E quando tenho fome, não me cabe ter pena.
A vítima estava ali ao sul da cama colorida.
Ostentava um lindo ventre/mar com redemoinhos.
Nunca vi coisa mais linda. Meu barco acelerou.

Confesso que cheguei de manso.
Fui tocando um papo romântico.
E quando me notei, boto coleando,
Matava-a de gozo sob ondas de suor.

Como animal urbano, deixei comida no prato. 
 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Aquele da Ana Flávia. Rodrigo L. Mingori


Assistia a seriados americanos anestesiando-se com uma felicidade extrema. Pessoas bonitas em vidas exuberantemente engraçadas e felizes. Pensava que o mundo era assim. Diferente daquele de sua tia Ortélia “ANA FRÁVIA!! Não lava esses cabelo que o sangue vai subi pra cabeça, desgraça!”. Nunca vira isso na TV. 

Contava vinte e sete anos e não havia gozado na vida. Não por nada, não era virgem. E masturbação era um assunto complicado. Nada contra o ato de se dar prazer, isso até lhe fazia uma falta quando os episódios televisivos era mais calientes, contudo não era acostumada com a fisiologia de sua vagina. Nas poucas vezes em que se tocara, um misto de dor e desilusão cruzou seu pensamento. “Algo está errado, algo está faltando”, pensava.

Aos dez anos de idade passou incontáveis tardes com um pano branco e um litro na cabeça ao pôr-do-sol a mando da tia para “tirar o ar da cabeça” após brincar ao sol da tarde. Nunca vira isso na TV. 

Passava os fins de semana quase todos em casa. Ganhara alguns quilos por seu sedentarismo. Nenhum homem havia se interessado em sua existência mediana. Uma verdade tão natural que já não a incomodava mais. As poucas vezes em que um homem visitou seu íntimo, sentiu-se rasgada, violada, arrombada. Tanto mais por não lhe atribuir o amor necessário para aceitar tal idéia.

Aos doze anos andava de mansinho em casa para que o bolo de sua tia não desandasse. “Vai devagar dentro de casa, Ana Frávia! Se não meu bolo não cresce!!!”. “Larga dessa manga! Num cabô de bebe leite?!”. “Não pisa na sombra dos outros que não presta, Ana Frávia!”. Nunca vira isso na TV.

Pensava, vez por outra, em suicídio. Mas tinha medo. Sua mãe não conseguia comprar os remédios necessários com a baixa aposentadoria que recebia. Sabia que eram situações extremas que a faziam pensar assim.

Cuidava, até depois de velha, para não molhar os pés. Evitando assim, conforme sua tia, resfriados, pneumonias e tuberculoses. Porém, nunca vira isso na TV!

Encontrava, vez por outra, na internet velhos amigos.  Como haviam mudado! Nenhum ricaço. Um ou dois já mortos, pelas intempéries da vida, da violência. Famílias, cachorros. Ana Flávia não ficava triste. Sempre fora cordial e respeitou os demais.

Apaixonou-se sem ter nenhum romance furioso. Nem sentira amores extremos, por isso não lia poesias e suas variantes hiperbólicas. Não fumava nem bebia. Solteira tinha um gato. E não gozava.

Dados do autor : Rodrigo Luis Mingori é escritor, poeta e bacharelando em História.

domingo, 17 de outubro de 2010

L.I.V.R.O. por Millôr Fernandes


Um novo e revolucionário conceito de tecnologia de informação

Na deixa da virada do milênio, anuncia-se um revolucionário conceito de tecnologia de informação, chamado de Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas - L.I.V.R.O.

L.I.V.R.O. representa um avanço fantástico na tecnologia. Não tem fios, circuitos elétricos, pilhas. Não necessita ser conectado a nada nem ligado. É tão fácil de usar que até uma criança pode operá-lo. Basta abri-lo!

Cada L.I.V.R.O. é formado por uma seqüência de páginas numeradas, feitas de papel reciclável e capazes de conter milhares de informações. As páginas são unidas por um sistema chamado lombada, que as mantêm automaticamente em sua seqüência correta.

Através do uso intensivo do recurso TPA - Tecnologia do Papel Opaco - permite-se que os fabricantes usem as duas faces da folha de papel. Isso possibilita duplicar a quantidade de dados inseridos e reduzir os seus custos pela metade!

Especialistas dividem-se quanto aos projetos de expansão da inserção de dados em cada unidade. É que, para se fazer L.I.V.R.O.s com mais informações, basta se usar mais páginas. Isso, porém, os torna mais grossos e mais difíceis de serem transportados, atraindo críticas dos adeptos da portabilidade do sistema.

Cada página do L.I.V.R.O. deve ser escaneada opticamente, e as informações transferidas diretamente para a CPU do usuário, em seu cérebro. Lembramos que quanto maior e mais complexa a informação a ser transmitida, maior deverá ser a capacidade de processamento do usuário.

Outra vantagem do sistema é que, quando em uso, um simples movimento de dedo permite o acesso instantâneo à próxima página. O L.I.V.R.O. pode ser rapidamente retomado a qualquer momento, bastando abri-lo. Ele nunca apresenta "ERRO GERAL DE PROTEÇÃO", nem precisa ser reinicializado, embora se torne inutilizável caso caia no mar, por exemplo.

O comando "browse" permite fazer o acesso a qualquer página instantaneamente e avançar ou retroceder com muita facilidade. A maioria dos modelos à venda já vem com o equipamento "índice" instalado, o qual indica a localização exata de grupos de dados selecionados.

Um acessório opcional, o marca-páginas, permite que você faça um acesso ao L.I.V.R.O. exatamente no local em que o deixou na última utilização mesmo que ele esteja fechado. A compatibilidade dos marcadores de página é total, permitindo que funcionem em qualquer modelo ou marca de L.I.V.R.O. sem necessidade de configuração.

Além disso, qualquer L.I.V.R.O. suporta o uso simultâneo de vários marcadores de página, caso seu usuário deseje manter selecionados vários trechos ao mesmo tempo. A capacidade máxima para uso de marcadores coincide com o número de páginas.

Pode-se ainda personalizar o conteúdo do L.I.V.R.O. através de anotações em suas margens. Para isso, deve-se utilizar um periférico de Linguagem Apagável Portátil de Intercomunicação Simplificada - L.A.P.I.S. Portátil, durável e barato, o L.I.V.R.O. vem sendo apontado como o instrumento de entretenimento e cultura do futuro. Milhares de programadores desse sistema já disponibilizaram vários títulos e upgrades utilizando a plataforma L.I.V.R.O.


Fonte: amigos do livro

Leia também a versão BOOK

Relatório Tecnológico: Anúncio de um dispositivo armazenador de conhecimento organizado embutido:

Built-in Orderly Organized Knowledge  – também conhecido por B.O.O.K.
 
B.O.O.K
B.O.O.K

O BOOK é um avanço revolucionário na tecnologia: sem fios, sem circuitos eletrônicos, sem baterias, nada a ser conectado ou ligado. É tão fácil usá-lo que até uma criança pode operá-lo. Apenas vire a capa! Compacto e portátil, pode ser usado em qualquer lugar – até mesmo numa poltrona perto da lareira – com potência suficiente para armazenar tantos dados quanto num CD-ROM.

Veja como funciona…

Cada BOOK é composto de folhas de papel (reciclado) numeradas seqüencialmente, cada uma capaz de conter milhares de bits de informação. Estas folhas são reunidas num dispositivo chamado “encadernação” que as mantém na sua seqüência correta. A Tecnologia de Papel Opaco (TPO) permite aos fabricantes usar os dois lados da folha, duplicando a densidade de informação e cortando os custos pela metade. 

Há controvérsias com relação aos futuros aumentos da densidade de informação. Atualmente um BOOK com mais informação simplesmente possui mais páginas. Isto pode torná-los mais grossos e difíceis de carregar, e já está ocorrendo uma crítica por parte do mundo da computação móvel. Cada folha é escaneada opticamente, registrando a informação diretamente no seu cérebro. Ummovimento de dedo leva você à página seguinte. O BOOK pode ser levado para qualquer lugar e usado simplesmente abrindo-o. O BOOK nunca trava e nunca precisa de ser rebutado, embora, como outros equipamentos, possa tornar-se inutilisável se cair na água. Um dispositivo chamado “folhear” permite-lhe passar instantaneamente para qualquer página, indo para a frente ou para trásconforme sua necessidade. O BOOK pode ser provido de um dispositivo de “índice”, que aponta para a localização exata de qualquer informação selecionada para uma recuperação instantânea.

Um acessório opcional chamado “marcador” permite-lhe abrir o BOOK no ponto exato em que foi deixado na sessão anterior, mesmo que ele tenha sido fechado. Esses “marcadores” são universais, e portanto podem ser usados em qualquer BOOK de qualquer fabricante. Ademais, vários marcadores podem ser usados em um único BOOK se o usuário desejar guardar vários pontos de acesso. A quantidade de “marcadores” é limitada ao número de páginas.

O equipamento é ideal para armazenamento de longo prazo. Testes de projeção provaram que ele deve continuar sendo legível por vários séculos, e, devido à interface com o usuário extremamente simples, ser compatível com novas tecnologias de leitura.

Você pode tomar notas pessoais no próprio BOOK ao lado da própria informação com uma ferrmanta de programação opcional, chamada PENCILS (Portable Erasable Nib Cryptic Intercommunication Language Stylus). Portátil, durável e barato, o BOOK está sendo apontado como a onda de entretenimento do futuro. O apelo do BOOK parece tão certo que milhares de empresas já se dispuseram a produzi-lo. 

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Um pouco sobre religião e crenças

Religião e Crenças são o atraso da humanidade? 

Melhor resposta - Escolhida pelo autor da pergunta

Bom, tudo tem um início certo? Vamos lá!!! Quem é Deus? Não sei, nunca vi.... Pra mim não existe...Dizem que ele é o criador de tudo... foi ele quem fez o mal? As Tragédias Naturais?  Foi ele quem fez os terremotos matarem milhares de pessoas em um ano... E aquela igreja evangélica que caiu o teto matando várias pessoas algum tempo atrás... Crianças na África morrendo de fome assim como em vários lugares do mundo ... PQ ele não evitou isso? Falam que a natureza é linda (é mesmo) e que tudo é perfeito... PERFEITO????  Os animais vivem o dia inteiro procurando comida e tendo que se proteger para não serem devorados pelos seus predadores... Os bichos também sentem dor, gente... Pensam que DEUS é um velho barbudo que fica sentado numa cadeira tomando conta de todo mundo... Tá brincando né??? Tá, e quando morrermos?... Nada é pra sempre tudo um dia acaba.... A terra um dia vai acabar assim como o sol, as estrelas, o universo... E pra onde vamos??? Pra lugar nenhum... Acredito que a morte é um sono sem fim... Não acredito em espíritos também, pois os mesmos precisariam de algo para ver, ouvir, se comunicar e isso não existe... Esse pessoal é engraçado... às vezes fico rindo sozinho...Quando acontece alguma tragédia com muitas pessoas, e algumas se salvam, o depoimento é... EU ESTOU VIVO GRAÇA A DEUS.. E as pessoas que morreram, ficaram cegas ou amputadas na mesma tragédia TAMBÉM É GRAÇAS A DEUS?... Brincadeira... Vamos todos morar no Céu quando morrermos... Vamos ficar no Céu infinitamente, quadrilhões de anos (mais tempo que a existência do universo até hoje),  trilhões de espíritos no espaço e todos vivendo não sei ok... muita doideira essa de pensar em vida eterna... não conheço ninguém que morreu, e voltou em forma de espírito ou seja lá de que jeito para contar o pós-morte... poxa, já morreu tanta gente desde que o mundo é mundo e ninguém veio contar como é essa tal de eternidade... estranho não???

E os dinossauros, como a bíblia explica isso??? Vejo tanta gente boa morrendo e os que não prestam vivendo aqui... Se você que está lendo isso fosse meu filho e eu tivesse o poder de "DEUS" iria te proteger de tudo meu filho.... Se eu acreditasse em DEUS, me mataria, pois assim ficaria ao lado dele... pela lógica não é isso?... Pq os pastores que curam cegueira, gente com câncer não vão aos hospitais curarem essas pessoas... só ficam em frente à televisão pedindo dinheiro??? dá nojo... Um dia vi um pastor falando que a vida dele toda usou drogas, saíra com prostitutas, fumava, roubava e que agora virou pastor e está perdoado em nome de Deus... O cara rouba, mata, estupra a vida toda, chega aos 60 anos cheio de pecados, crimes nas costas aceita DEUS e DEUS o perdoa... assim é mole... vou aprontar então até os 70 anos e depois virar santinho...***** da nojo dessa raça.


A própria bíblia cai em contradição... Realmente foi o livro mais perfeito para atrair o dízimo dos otários. Vejam só:]

• Vai lá, responde todos esses aí. Se conseguir eu mando mais:


Gênesis


As duas histórias contraditórias sobre a criação.


Primeira história


O homem foi criado depois dos outros animais. [Gn 1:25-27]

O homem e a mulher foram criados simultaneamente. [Gn 1:27]

Segunda história


O homem aparece antes dos outros animais. [Gn 2:18-19]


O homem foi criado primeiro, então os animais, e só depois a mulher, da costela do homem. [Gn 2:18-22]


Quanto tempo levou para criar os céus e a terra?


Um dia [Gn 2:4] ou seis dias [Gn 1:3 - 2:3].




As plantas foram criadas antes ou depois dos homens?


As plantas foram criadas antes dos homens. [Gn 1:11-13, 1:27-31]


As plantas foram criadas depois dos homens. [Gn 2:4-7]



Quando as estrelas foram criadas?


No quarto dia da criação, depois da criação da terra. [Gn 1:16-19]


Antes que a terra fosse criada. [Jó 38:4-7]




De onde foram criadas as aves?


Das águas [Gn 1:20-21] ou da terra [Gn 2:19].



O homem foi criado antes ou depois dos outros animais?


O homem foi criado depois dos outros animais. [Gn 1:25-27]


O homem aparece antes dos outros animais. [Gn 2:18-19]


Quantos deuses existem?


Há somente um Deus. [Dt 4:35, 4:39, 6:4, 32:39, Is 43:10, 44:8, 45:5-6, 46:9, Mc 12:29, Mc 12:32, Jo 17:3, I Co 8:6]


Existem vários Deuses. [Gn 1:26, 3:22, 11:7, Ex 12:12, 15:11, 18:11, 20:3, 22:20, 23:13, 23:24, 23:32, 34:14, Nm 33:4, Jz 11:24, I Sm 6:5, 28:13, Sl 82:1, 82:6, 86:8, 96:4, 97:7, 136:2, Jr 1:16, 10:11, Sf 2:11, Jo 10:33-34, I Jo 5:7]




terça-feira, 5 de outubro de 2010

O homem que copiava. Jorge Furtado




“É tudo sobre o tempo André, o tempo passando”.


Era sobre o tempo a poesia, e acho que sobre o tempo e sobre a vida é esse filme de Jorge Furtado, sobre um tempo que se esvazia, o homem envelhecendo diante de seus sonhos irrealizados.

“É o jeito de ganhar da morte, de ganhar do tempo, a prole os filhos”.


André arranjou um jeito de ganhar da morte, de ganhar do tempo, de ganhar da vida, melhor seria: de enganar a vida, de enganar a morte, de enganar o tempo.

Tempo esse em que as pessoas estão presas como os bois de Abril Despedaçado, girando em torno de um mesmo eixo. O filme vai romper justamente com o eixo dos personagens, quebrar a seqüência repetitiva e aprisionante de um jovem que trabalha como operador de foto copiadora, que vai de casa pro trabalho, do trabalho pra casa, imerso em sua inércia, apenas sonhando com o futuro.

Jorge Furtado trabalha bem esse eixo do tempo, do “tempo passando” segundo Silvia, as coisas se repetem em volta do André, como quando fala da mãe:

Minha mãe arrasta o chinelo do banheiro para a cozinha. Schlac, schlac, schlac, schlac. Abre o armário, pega um copo, fecha o armário, abre a geladeira, pega a garrafa d'água, fecha a geladeira, enche o copo, não todo, a metade, abre a geladeira, guarda a garrafa, pega o copo, abre o filtro, enche o copo, fecha o filtro, arrasta o chinelo da cozinha pro quarto e diz: "Boa noite, meu filho, eu vou deitar. Televisão me dá um sono."

Existe a construção de uma rotina-cíclica narrada no inicio do filme, uma rotina, que fique claro, que não aprisiona apenas ele, mas que agarra a todos, do dono da papelaria, da mulher dele que sempre passa para pegar dinheiro ou revistas, passando pelo padrasto da Silvia, que sempre fica na poltrona vendo televisão, a própria Silvia, que repete a rotina de chegar todos os dias às 11 horas em casa, passando direto para o quarto.

Pensei no filme de Orson Welles, O Processo, baseado no livro de Kafka, naquele mundo de absurdo que ele constrói, naquele universo tenso e pesado, onde o personagem não dá conta dos acontecimentos. Mas no HOMEM QUE COPIAVA, isso se faz presente apenas no inicio, O Processo vivido por André é o de ser um operador de foto copiadora, sem dinheiro, sem estudo, sem respeito, um cagalhão, que no fim acabaria condenado - a quê? A estar de fora e ver o tempo passar, a ver vida passar, e de ter passado junto, um dia. Como quando ele comenta sobre pessoas que tem síndrome do pânico:

Existem pessoas que não saem na rua nunca. Chama síndrome do pânico. (...). Elas ficam em casa porque não conseguem sair na rua. O problema é que tu acaba ficando velho. Melhor enfrentar a rua.

No filme O Processo, a narrativa é iniciada com um trecho do livro:

Diante da lei, há um guarda.
Um homem vem do interior pedindo para entrar.
Mas o guarda, não pode deixá-lo entrar.
Ele pergunta se pode entrar mais tarde.
“É possível”, diz o guarda.
O homem tenta olhar. Aprendeu que a lei foi feita para todos.
“Não tente entrar sem a minha permissão”, diz o guarda.
“Sou poderoso, apesar de ser o menor dos guardas”.
“A cada sala e porta, cada guarda é mais poderoso que o anterior”.
Com a permissão dada, o homem senta ao lado da porta e espera.
E espera durante anos.
Ele vende tudo o que tem na esperança de subornar o guarda.
Este sempre aceita o que o homem lhe dá, para que o homem não sinta que não tentou.
Fazendo vigília ao longo dos anos, o homem conhece até as pulgas do colarinho do guarda. Ficando gagá com a idade, pede às pulgas que convençam o guarda a deixá-lo entrar.
Sua visão é curta, mas na escuridão, ele percebe o brilho imortal da porta da lei.
E agora antes de morrer, toda sua experiência se concentra em uma pergunta que nunca fez.
Ele chama o guarda, que pergunta o que ele quer.
O homem diz que todos lutam para ter lei. Então por que, em todos aqueles anos, ninguém pediu para entrar?
Sua audição não é boa e o guarda grita em seu ouvido:
“Só você poderia entrar. Ninguém passaria por esta porta. Esta porta foi feita somente para você. Agora eu a fecharei”.


Mas André enfrentará, ele romperá – um acontecimento gerará toda uma série de mudanças na história dele, quando surgem duas opções apenas – continuar ou romper o redemoinho da vida social: o momento em que, no ônibus, diz para Silvia que vai comprar o chambre:

Se não der na Segunda eu passo até o final da semana pra comprar o chambre.
Não sei pra que eu fui dizer uma merda daquela. (...). Agora eu ia ter que conseguir trinta e oito reais e comprar o chambre, ou então esquecer para sempre que a Sílvia existe. Só que eu não tinha trinta e oito reais sobrando assim. Nem tinha onde conseguir, não até o final da semana.

Diferente de Joseph K, que a partir de um acontecimento, perde o controle e cai nas redes de um sistema do qual não conhece nem controla, André sai do sistema, sai do sistema da sua própria vida e rompe o sistema da sociedade – está agora de fora – não sabe onde vai parar, não tem mais a certeza do operador de foto copiadora. O filme também fala de um cotidiano, da riqueza que o cotidiano esconde atrás da rotina, a riqueza da ação.

A expressão corporal de Lázaro Ramos é fundamental para entender quem é o André. Antes – um rapaz cabisbaixo, com olhar raivoso, ombros enrolados, depois – com andar mais decidido, enfrenta quem ele é, suas misérias, dores, e segue. Esse “depois” é quando ele consegue trocar o dinheiro falso na loteria, a construção da cena é organizada para mostrar alguém que alcançou a redenção – a música clássica, a sensação de que ele dominou o mundo ao seu redor, tudo pára, o barulho, o movimento do trânsito, das pessoas – ele parece maior.

A partir daí ele começa a participar da vida, a encarar a rua, a encarar a sociedade.

Quando ele almoça pela primeira vez com Silvia é marcada a posição que ele ocupava: a de observador – com os binóculos, somente olhando a distância, sem participação:

Ela não usa perfume, não é muito de figo, tem nojo de bruxa no feijão e um brilho nos olhos, quando ri. Isso tudo não dá para ver de binóculo.

Outro indicio da ruptura, o que ele quer já não dá mais para ver de binóculos, já não basta, ele já é outro.


Título Original: O Homem que Copiava/ Gênero: Comédia Romântica/ Tempo de Duração: 123 min./ Ano de Lançamento (Brasil): 2002 / Direção e Roteiro: Jorge Furtado/ Produção: Luciana Tomasi e Nota Goulart/ Fotografia: Alex Sernambi/ Desenho de Produção: Marco Baiotto/ Direção de Arte: Fiapo Barth/ Figurino: Rô Cortinhas/ Edição: Giba Assis Brasil.

Elenco: Lázaro Ramos (André)/ Leandra Leal (Sílvia)/ Luana Piovani (Marinês)/ Pedro Cardoso (Cardoso)/ Paulo José (Paulo)/ Júlio Andrade (Feitosa)/ Carlos Cunha (Antunes). 





Soneto número 12 (William Shakespeare - tradução de Ivo Barroso)


Quando a hora dobra em triste e tardo toque
E em noite horrenda vejo escoar-se o dia,
Quando vejo esvair-se a violeta, ou que
A prata a preta têmpora assedia;

Quando vejo sem folha o tronco antigo
Que ao rebanho estendia a sombra franca
E em feixe atado agora o verde trigo
Seguir o carro, a barba hirsuta e branca;

Sobre tua beleza então questiono
Que há de sofrer do Tempo a dura prova,
Pois as graças do mundo em abandono

Morrem ao ver nascendo a graça nova.
Contra a foice do Tempo é vão combate,
Salvo a prole, que o enfrenta se te abate.


Para quem prefere o original:

When I do count the clock that tells the time,

And see the brave day sunk in hideous night;
When I behold the violet past prime,
And sable curls, all silvered o'er with white;


When lofty trees I see barren of leaves,
Which erst from heat did canopy the herd,
And summer's green all girded up in sheaves,
Borne on the bier with white and bristly beard,

Then of thy beauty do I question make,
That thou among the wastes of time must go,
Since sweets and beauties do themselves forsake

And die as fast as they see others grow;
And nothing 'gainst Time's scythe can make defence
Save breed, to brave him when he takes thee hence.


sábado, 2 de outubro de 2010

A verdade fortalece a democracia. Gerson Almeida

(Existem duas: a "liberdade de imprensa" e liberdade de imprensa)

Nesse último período da campanha, quando as pesquisas apontam a possibilidade real de vitória da candidata de situação, em primeiro turno, setores da grande imprensa parecem ter decidido levar à risca a orientação de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de São Paulo, publicadas no jornal O Globo, em 18/03/10, e assumir a linha de frente da campanha de Serra. Nas palavras da presidente da ANJ, "... obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo."

Lida em março, essa declaração ainda poderia ser compreendida como um possível deslize, ou má articulação entre o pensamento e a fala, pois, verdade seja dita, a aposição não deixou de trabalhar um único minuto e atuou fortemente, especialmente contra todas as iniciativas do governo que criaram, ou ampliaram direitos aos setores mais vulneráveis da população. Essa preocupação com as dificuldades eleitorais da oposição também foi o assunto dominante no I Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado pelo Instituto Millenium, em março, no qual Arnaldo Jabor ensinava que o importante é “impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”, declaração secundada por outro arroz de festa desses ambientes, Reinaldo Azevedo, para quem é preciso “mudar uma certa cultura” e “passar a defender os valores que são da democracia, da economia de mercado e do individualismo”. Ou seja, a democracia é boa, desde que o pensamento conservador arbitre o que pode e o que não pode. Aceitam a democracia, desde que ela seja tutelada.

Colocada essa premissa, o próximo passo é responder sobre qual o sujeito político desta tarefa, já que os partidos de oposição estão fragilizados? A síntese das falas do referido seminário – que reuniu importantes representantes das seis famílias que controlam mais de 54% do que é publicado no país – foi feita por Jabor, para quem “a classe, o grupo e as pessoas ligadas à imprensa têm que ter uma atitude ofensiva e não defensiva [...] Nossa atitude tem que ser agressiva”. Parece que os setores mais conservadores cansaram – lembre do movimento Cansei, uma tentativa anterior de ação política oposicionista, com amplo apoio da mídia - de reclamar da postura não o suficientemente agressiva feita pelos partidos de oposição e decidiram assumir o protagonismo da ação política.

Quando o presidente Lula passou a tratar o tema e classificou de parcial a cobertura da grande imprensa, aconselhando que o melhor seria ela “assumir que tem um candidato e um partido” e não ficar “vendendo uma neutralidade disfarçada”, uma afirmação estritamente dentro do debate político e do direito de opinião, a reação foi virulenta, ao ponto do editorial do Estadão (23/09) anunciar a “erosão das bases da ordem democrática” e repicar o lamento da presidente da ANJ quanto à relutância da “candidatura oposicionista em arrostar o presidente em pessoa por seus desmandos”. Essa reação descontrolada a uma crítica política mostra o quanto a estratégia pensada para essas eleições pelos conservadores está naufragando.

É que a possível vitória de Dilma e de uma maioria de governadores e congressistas comprometidos com seu governo, desmonta a idéia de que o projeto iniciado por Lula não está fadado a terminar com o fim do seu governo, como sonharam esses setores. A estratégia de Serra foi, desde o princípio, a de desdenhar da candidata Dilma e tentar colocá-la como uma simples invenção, que como tal seria “desconstituída” por ele no embate eleitoral. Esse desejo ganhou alento com a vitória da oposição no Chile, que derrotou o candidato apoiado pela presidenta Bachelet, que também estava à frente de um governo amplamente bem avaliado. .

Ao ruir essa Bastilha de cartas e ter suas expectativas frustradas, a oposição ficou sem saber o rumo a tomar e escolheu o pior entre os caminhos possíveis, deixando-se capturar pelo setor mais retrógrado e belicoso do seu campo. Ao assumir esse caminho, ficou refém do discurso típico desse setor, que parece sempre estar vendo alguma conspiração contra a democracia e taxando como cooptação toda a ação de hegemonia política que desloca setores sociais do seu domínio político e ideológico. Ao assumir esse atalho, simplesmente abdicou de disputar projetos políticos e reduziu sua ação a repetir a cantilena de que as instituições democráticas estão em risco.

Há um paradoxo entre a escalada midiática de produção de medos e riscos à democracia e o ambiente social real do país. Estamos vivendo o nosso mais longo período de democracia e alcançamos indicadores econômicos e sociais que alicerçam uma ampla expectativa positiva da sociedade quanto ao futuro; o presidente vai passar a faixa presidencial para a candidatura vitoriosa nas urnas e não foi seduzido pelo “canto de sereia” do terceiro mandato, que a sua extraordinária popularidade poderia viabilizar. Além disto, todas as instituições e grupos sociais possuem ampla liberdade e temos uma cidadania vigorosa, que está cada vez mais tendo canais de participação da vida pública.

A reação da grande imprensa, portanto, não tem nada de defesa da liberdade de imprensa, que nunca foi tão intocada. Esse tema serve apenas como argumento para justificar a sua decisão de assumir papel protagonista no processo eleitoral. Tanto é assim, que não se viu qualquer reação desses meios, quando Demétrio Magnoli – figura obrigatória quando se trata de preocupação com os riscos à democracia e combate às políticas afirmativas para os negros – publicou longo artigo na Folha de São Paulo, no qual acusa dois jornalistas do próprio jornal por “falsear deliberadamente a história como faz o panfleto disfarçado de reportagem publicado nesta Folha”, assumindo a defesa da versão de que a escravidão era um item da pauta de exportação africana. Não contente com esse ataque, ele ainda chamou os repórteres de “engajados” e de que estão “a serviço de uma doutrina tentam fazer da história um escândalo”. O título do artigo não é outro do que “o jornalismo delinqüente”. O silêncio dos jornais diante dessa investida inédita e intimidadora, não combina em nada com a reação nervosa contra a fala do presidente.

O presidente é o guardião da Constituição e das instituições, não havendo qualquer indício de que não esteja cumprindo à risca suas obrigações constitucionais. A questão é que ele não abdicou do papel de líder político e o cumpre com grande determinação e reconhecimento público, contrariando a expectativa daqueles que o queriam distante da disputa dos projetos que verdadeiramente distinguem os campos políticos em disputa no país, o que facilitaria a estratégia tucana de transformar as eleições numa disputa pessoalizada e despolitizada. Agora, acabo de ler o editorial do Estadão, no qual cede à sugestão do presidente Lula e, finalmente, assume que está com Serra. Agora, agora tudo fica mais claro e, mesmo que tardia, a verdade sempre ajuda a fortalecer a democracia.

Aliás, nos Estados Unidos, a diretora de Comunicações do governo, recentemente declarou que, ao falar para a Fox (grande rede de comunicações), o presidente Barack Obama “já sabe que estará como num debate com o partido da oposição”. Não há notícia de que esteja havendo uma erosão das instituições democráticas naquele país, ou um liberticídio.

Gerson Almeida é sociólogo.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A vida não é como matemática. Jéssica Lanzani

"Sobre mim:
A vida não é como a matemática. Você não pode pegar duas coisas negativas, mutiplicar e dar uma coisa positiva , definitivamente não."

domingo, 26 de setembro de 2010

Nunca é tarde para gostar de ler. Revista Nova Escola

Muitos professores brasileiros não tiveram a chance de construir uma história como leitores de literatura. Mas sempre é tempo de criar o hábito de leitura e também inspirar seus alunos.

Você terminou de ler um romance. Chega à escola e corre para compartilhar a experiência com os colegas. Fala sobre os conflitos do personagem (sem entregar o fim da história, é claro) e comenta que já viveu vários dos questionamentos narrados na história - razão pela qual a trama prendeu a atenção do começo ao fim. Outro professor aproveita para dizer que já leu algo do mesmo autor - e a conversa continua, animada, até a hora de a aula começar.

"Um mesmo livro nunca é o mesmo para duas pessoas", já disse o poeta Ferreira Gullar. Essa experiência, ao mesmo tempo pessoal e coletiva, é tão rica porque nos permite entrar em contato com uma realidade diferente da nossa - e, graças a isso, (re)construir nossa própria história dia após dia.

Porém a realidade de grande parte dos docentes brasileiros está bem longe disso. Muitos não tiveram acesso a obras literárias em casa nem construíram práticas sociais de leitura (na Educação Básica e nos cursos de graduação universitária). "O professor médio brasileiro do ensino público teve pouco acesso e estímulo a ler. Por isso, conhece poucas obras de literatura contemporânea e clássica", afirma Zoara Failla, gerente executiva de projetos do Instituto Pró-Livro. Então, o que fazer para transformar essa pessoa que tem pouca familiaridade com a literatura em um agente disseminador de boas práticas leitoras? O mais importante é saber que nunca é tarde para se deixar encantar pela literatura e começar uma trajetória como leitor - ou, quem sabe, ampliar ainda mais os conhecimentos sobre os livros. Vamos nessa?

Por que ler
?

O leitor literário lê por razões variadas: rir, refletir, investigar, relembrar, chorar e até sentir medo. Lê porque mergulha no que autores e personagens pensam e sentem - no passado, presente ou futuro, em lugares distantes ou que nem sequer existem. Lê porque as narrativas literárias o ajudam a refletir sobre a vida e a construir significados para ela.

Como virar um leitor
?

Não existe um caminho único para se tornar um leitor literário. Você pode começar por textos simples do ponto de vista linguístico e depois passar para os mais complexos - ou iniciar por temas próximos e partir para os mais distantes. "E há os que preferem os grandes desafios desde o princípio porque sabem que eles têm algo a oferecer, nem que seja a estranheza", afirma Ana Flávia Alonço Castanho, selecionadora do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10. Um bom caminho para alavancar o gosto pelos livros é procurar uma comunidade de leitores (podem ser os professores da escola, os amigos, os parentes - o importante é encontrar gente que goste de ler). Em Andar entre Livros, Teresa Colomer, professora de Literatura na Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, afirma que "ao compartilhar as impressões sobre uma leitura passamos a saber os significados que a obra tem para os outros, o que enriquece nosso repertório". Outra vantagem desse diálogo permanente é a troca de indicações de textos e autores.

sábado, 18 de setembro de 2010

Da religiosidade ao ateísmo niilista. Márcio Lima *

A Idade Média foi um período histórico em que o cristianismo se tornou a crença predominante em toda Europa Ocidental.1 Em quase todo continente, a maior parte da vida social, moral e política das pessoas era determinada pelos ensinamentos e pela ação da Igreja Católica Romana.

A disseminação dos dogmas cristãos era tão intensa que no século IX, não existia na Europa Ocidental ninguém que não acreditasse em Deus. A Igreja controlava a fé, normatizava os costumes, a produção cultural, o comportamento e, sobretudo, a ordem social. Até mesmo o tempo era controlado pela religião cristã, pois, as pessoas marcavam o ritmo de suas vidas pelo toque dos sinos das igrejas. Como eram completamente voltados para as práticas religiosas, acreditavam que a vida na Terra seria apenas um momento antes da eternidade, que seria vivida ao lado de Deus.

A influência da Igreja também se fazia presente nas relações políticas, onde os Papas sagravam os Reis e legitimavam o poder dos senhores feudais. Como a sociedade era constituída por pessoas iletradas e desprovidas de conhecimento, a Igreja mantinha o controle do saber erudito, pois, detendo informações e conhecimentos importantes, garantia de forma inabalável a extensão de seu domínio ao longo de vários séculos.

Aqueles que questionavam ou discordavam das práticas impostas pelos dogmas religiosos, eram considerados adversários da Igreja de Deus, chamados de hereges. Contra os hereges, a religião desencadeou uma guerra sem tréguas. Como forma de repressão, criou a Excomunhão e o Tribunal do Santo Ofício, conhecido como Santa Inquisição. A excomunhão era o ato que impedia o cristão receber os benefícios da salvação, concedidos por seu intermédio. Nesse caso, era preferível para muitos homens medievais, morrer a ser excomungado. A Inquisição julgava os hereges dissidentes e os que recusavam a se retratar eram condenados à morte na fogueira.

Na Filosofia, os pensadores medievais, chamados doutores da Igreja, voltaram-se para as questões relativas aos dogmas e aos preceitos da fé, combinando por vezes elementos da filosofia greco-romana com ensinamentos cristãos. A Escolástica foi a filosofia predominante e representava uma tentativa de conciliar fé e razão à luz do pensamento aristotélico, agregando elementos da filosofia pagã com a doutrina cristã.

No campo do conhecimento científico, grande parte dos historiadores afirma que a Igreja pouco, ou nada, favoreceu ao seu crescimento. Aqueles que tentaram produzir um saber científico sem o aval da religião cristã foram reprimidos. Roger Bacon, monge franciscanos, foi condenado à prisão, Galileu foi reprimido e Giordano Bruno foi condenado à fogueira. (sendo os dois últimos pós-medievais)

[...] O cristianismo rompeu a união entre o homem e a natureza, entre o espírito e o mundo carnal, potencialmente distorcendo o relacionamento entre os dois em direções opostas e atormentadas: o ascetismo e o ativismo. [...] Ambrósio de Milão expressou a nova opinião oficial ao condenar como ímpias até as puramente teóricas ciências da astronomia e da geometria. [...] 2

Até meados do século XVII, a fé cristã permeava toda e qualquer parte da organização social, política e econômica da Europa e dos Países por ela colonizada.3 Porém, novos acontecimentos mudaram o rumo da história. A partir do Renascimento,4 deu-se início ao embate entre Deus (teocentrismo) representado pela Igreja e o homem (antropocentrismo). O mercantilismo incentivou as Grandes Navegações, época em que foi percebida a possibilidade de se navegar diretamente pelos mares, já que a terra tinha a forma esférica e não plana como se acreditava na Idade Média. O Capitalismo foi tomando lugar na economia, contrariando a Igreja que condenava o lucro e a usura. A própria Reforma Protestante5 representou a possibilidade de se questionar os dogmas da Igreja Romana. No século XVIII, o Iluminismo,6 com suas idéias críticas e libertárias, propiciou o avanço da racionalização na sociedade. A produção cultural se deslocou do domínio da Igreja (o sagrado) para o das pessoas comuns (o profano, o leigo). Começava-se a laicização ou dessacralização, era a chamada Idade Moderna. Deus, tendo a Igreja como seu principal representante na terra, começava a perder seu espaço e sua autoridade entre os homens, que pouco a pouco se desprendia da dogmática religiosa.

A Modernidade é marcada, principalmente, pela nova concepção do pensar. A rejeição de Deus, dos dogmas e instituições eclesiásticas; o individualismo; a crítica das ilusões; o desenvolvimento das técnicas e o fortalecimento do Estado democrático. A ruptura do indivíduo com o bloco sócio-religioso, aparece logo no início da modernidade, tendo conseqüências em todos os segmentos: cultura, economia, direito e política.7 Para os modernos, a vida moral deverá desprender-se da religião. A Igreja terá que renunciar ao governo e ao controle da vida política.

No pensamento moderno, Descartes rompeu com o aparato escolástico e iniciou o discurso racional. Kant, com sua visão agnóstica, afastou a fé de qualquer entendimento racional (Fé e razão atuam distintamente). Strauss identificou a vida de Cristo com a Teoria do Mito, entendendo o Evangelho como algo historicamente datado, longe de qualquer caráter sobrenatural ou divino. Feuerbach assegurou ser Deus uma projeção dos desejos de perfeição do homem. Para ele, era a alienação do homem que havia criado a crença no Ser Supremo. Marx afirmou que a religião seria o ópio do povo. Darwin, com sua "Origem das Espécies",8 abalou a teoria bíblica da criação do homem e da natureza. Por fim, Freud mostrou que as ações humanas são determinadas pelo inconsciente e que Deus seria uma projeção da imagem paterna impregnada desde cedo na mente do homem.

A modernidade destruiu a "totalidade" da religião, ou seja, separado o que era revelado por Deus e codificado pela Igreja, daquilo que era percebido pelos homens e por eles transformado em teorias. A religião autorizou a Ciência, como também a Arte, a Política e, mais tarde, a Ética a adquirir sua autonomia e constituir sua própria escala de valores. Uma distinção encontrada no próprio livro sagrado cristão, (dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus) 9 divisão direta entre poder temporal e poder espiritual. A partir daí, uma nova visão vai marcar o pensamento do homem moderno. Se antes era tarefa da religião oferecer uma consciência à sociedade, agora cabia às Ciências apresentar explicações racionais para os fenômenos ocorridos no mundo (dentro e fora dele).

Essa forma de pensamento teve seu ponto culminante no século XX, quando não só a Ciência desagregou, de forma definitiva, qualquer apelo ao sobrenatural, como também, a maioria das constituições políticas que surgiram, afirmaram sua posição secular e agnóstica, separando-se das crenças. O próprio regime socialista soviético chegou a se declarar um Estado Ateu. Desta forma, mesmo que a religião ainda constitua um poderoso fator de mobilização das massas e um insubstituível apoio ético e moral, faz-se necessário o reconhecimento de que as elites modernas deram as costas para Deus.

Diante desse contexto, e analisando de forma reflexiva a sua volta, Nietzsche (1844-1900) declarou, nas palavras do personagem Zaratustra, A morte de Deus:

"Zaratustra, porém, ao ficar sozinho falou assim ao seu coração:  Será possível que este santo ancião ainda não ouviu no seu bosque que Deus já morreu?"10 

A morte de Deus é a constatação do niilismo na modernidade,  é a percepção cada vez maior da ausência de Deus no pensamento e nas práticas do Ocidente moderno. Para ele, o homem moderno perdeu a confiança em Deus e suprimiu a crença no "mundo verdadeiro", o mundo perfeito que vem após a morte do corpo material, originário da metafísica e do cristianismo. A substituição da Teologia pela Ciência e o ponto de vista de Deus pelo ponto de vista do homem, provocou a ruptura com os valores absolutos, com a essência e com o fundamento divino. 

Na verdade, a morte de Deus já se fazia presente na consciência do europeu desde o século XIX, o que ainda não haviam percebido era que esse fato implicava  na desvalorização dos valores morais, ou seja, o fim do Deus cristão também foi o fim da moral por ele estabelecido, através do cristianismo. O culto do progresso, a proclamação da igualdade e o crescimento do conhecimento científico, transformaram a humanidade numa massa de indivíduos indefinidos ainda mais escravizados, sem força e sem autenticidade. Ao perder a legitimidade provinda de suas origens tradicionais e as suas garantias exteriores, representada pelos deuses, heróis e as monarquias de instituição divina, a sociedade moderna é condenada a tomar a si mesma como fundamento, pois não existe mais proteção divina (ela é auto-suficiente, atéia). Terá agora que reinventar seus próprios valores.

A modernidade apreende então uma crítica aos seus próprios valores. As grandes Guerras, os Estados totalitários socialistas, nazistas e fascistas fizeram, por si só, as críticas práticas. A crítica agora não é feita apenas aos antigos valores, às hierarquias do antigo regime, à moral religiosa nem às autoridades hereditárias. A crítica visa agora os próprios valores modernos, a liberdade, a igualdade e a razão.

O século XX foi a época em que a razão se propôs a guiar a humanidade. O triunfo das ciências iluminou as zonas de incertezas e ilusão que atormentava os homens. A modernidade se apresentou como um começo absoluto de uma nova era, a instituição de um novo mundo e de novos valores edificados sobre o reino da Razão. Até que o totalitarismo desenfreado e as duas Guerras Mundiais puseram em contradição a sociedade moderna. Em 1914, a primeira Grande Guerra deu início à barbárie. As forças criadas para a organização e para a técnica contrapuseram-se às forcas da razão e da ciência que outrora lhes haviam produzido. 

A partir deste momento, a Europa (e o Ocidente) entra em estado de convulsão. Em plena guerra, a Revolução Bolchevique assume o poder na Rússia, onde mais tarde se transformara numa ditadura socialista, influenciando também outros países. Em 1933, o nazismo chega à Alemanha e, a partir daí, grande parte da Europa vai permanecer sob o domínio de ditaduras nazi-fascistas. Em 1936, começa a Guerra Civil espanhola que antecede a Segunda Guerra Mundial, tendo como conseqüência o holocausto de judeus. Na atualidade, o terrorismo globalizado, seguido da violência brutal contra os direitos humanos, evidencia um novo surto de barbárie.

O homem moderno agora faz pergunta tipo: Como ser um santo sem Deus? Ou como substituir Deus? Os primeiros modernistas responderam que seria através da moral da humanidade, baseada na razão. Mas esta razão é fria, seca e individualista. Na medida em que os valores se contradizem, os fatos e a realidade demonstram inconsistência. Como fugir da barbárie? A segunda fase da modernidade, iniciada com a primeira Grande Guerra, faz a humanidade tomar consciência de que é frágil e que sua salvação encontra-se na sua própria capacidade de recriar, sem cessar, seus valores e suas instituições. Deverá o homem moderno agora, relançar permanentemente a democracia. A pergunta talvez seja a seguinte: Recriar valores e relançar democracia, baseado em quê? Na fé ou na ciência? O homem moderno parece perdido, solitário e desprotegido.
 
[...] parece, pelo menos a esses, que um sol acaba de se pôr, que uma antiga e profunda confiança se tornou dúvida: o nosso mundo parece-lhes fatalmente todos os dias mais vesperal, mais desconfiado, mais estranho, mais ultrapassado. [...] 11 

Nietzsche percebeu a humanidade em sua elevada pretensão de aumentar seu conhecimento e seu poder, sem perguntar sobre os fins (mais tarde, a bomba atômica foi o exemplo). O moderno, acreditando que tudo seria explicado, descobre que há uma falha na explicação. Agora, tudo se afunda, nada mais tem sentido. Percebe-se que nada é visado, não existe objeto futuro, instalou-se o niilismo. O homem será agora uma consciência infeliz, sabe que o mundo, tal como imaginara, não existe, e o que existe de fato, não deveria existir.

A proposta nietzscheana é a transmutação dos valores, no qual surge o (Übermensch) super-homem, aquele que através da vontade de poder, rompendo com os valores cristãos, superará o niilismo e criará novos ideais.
 
Eu vos apresento o super-homem! O Super-homem é o sentido da terra. Diga a vossa vontade: seja o Super-homem, o sentido da terra. 12 

Para Nietzsche, o niilismo tem início ainda na antiguidade a partir da teoria socrático-platônica que inventa um mundo ideal, onde a verdade pode ser encontrada, e condena o mundo real, dito das aparências e ilusões. Esta teoria é mantida pelo cristianismo. Porém, se esse mundo em que vivemos não existe, toda filosofia desenvolvida em nome dele é um erro, o que remete ao niilismo do homem moderno. Após a morte de Deus, a interpretação moral da vida e do mundo se esfacelou, abrindo caminho para a propagação do niilismo.

A morte de Deus marca o fim da dualidade entre o sensível e o supra-sensível, o mundo que sobrou parece falso e desprovido de valor. Ao eliminar o mundo ideal, formulado pelo cristianismo, a morte de Deus elimina também o mundo real em que estamos. Como conseqüência, se o mundo verdadeiro não existe, tudo em que se acreditou até aqui, era mentira. A morte de Deus criou um vazio na modernidade. Este vazio pode ser preenchido, segundo Nietzsche, pelo super-homem, produto da manifestação de novos valores. 

Noutros tempos, blasfemar contra Deus era a maior das blasfêmias; mas Deus morreu, e com ele morreram tais blasfêmias. Agora, o mais espantoso é blasfemar da terra, e ter em maior conta as entranhas do impenetrável do que o sentido da terra. 13 

Diante dos fatos, o homem moderno se encontra cansado da vida, sua vontade deseja o nada, pois há muito já está esgotada. A morte de Deus representa a falta de perspectiva para criar novos valores e superar o estado niilista em que se encontra. Até este acontecimento, toda moral era divina, aceitava-se e obedecia-se sem questionar, mas, e agora? A desvalorização desses valores trouxe o niilismo, a falta de sentido. Porém o niilismo possibilita também, como dizia Nietzsche, a possibilidade de criar novos valores, uma mudança na mentalidade, que só a partir daí seria possível. A questão é: qual a base para fundamentar esses novos valores, a fé representada pela religião, ou a razão representada pelas ciências? Na contemporaneidade, o homem tem bastante o que refletir. Só através da reflexão analítica a razão poderá prevalecer sobre o niilismo.

(*)  Graduando em História e Filosofia

1. Exceto na península ibérica, ocupada pelos árabes de religião muçulmana.
2. ANDERSON, Perry. Passagem da Antiguidade ao Feudalismo, Brasiliense. p.128
3. Os países colonizados seguiam a religião oficial das Metrópoles.
4. Movimento cultural que teve início na península itálica ainda no século XIV.
5. Movimento de transformação religiosa representado inicialmente por Martinho Lutero.
6. Movimento cultural que se desenvolveu na Inglaterra, Holanda e França, nos séculos XVII e XVIII.
7. Sendo fato de objeção entre alguns pensadores contemporâneos, a total laicização do Estado.
8. Livro em que Darwin propõe a teoria de que os organismos vivos evoluem gradualmente através da selecção natural.
9. Bíblia Sagrada - Mateus 22:21
10. NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra, tradução Pietro Nassetti. São Paulo. Martin Claret, 2002. p.25
11. ____________________. A Gaia Ciência, tradução Jean Melville. São Paulo. Martin Claret, 2007. p. 181
12. NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra, tradução Pietro Nassetti. São Paulo. Martin Claret, 2002. p.25
13. Ibidem. p. 25
Referencias:
ALMEIDA, Giuliano Cézar Mattos de. Revista Ética & Filosofia Política, Volume 8, Número 1, junho/2005.
CARVALHO, José Jackson Carneiro de. A modernidade e os caminhos da razão: ensaio de Filosofia social e política, 2ª. ed. Atual, amp. – João Pessoa: Editora Universitária / UFPB, 2006.
NIETZSCHE, Friedrich. Breviário de citações ou para conhecer Nietzsche, seleção, tradução e notas de Duda Machado. 2ª ed. São Paulo, Landy, 2001.
___________, Friedrich. A Gaia Ciência, tradução Jean Melville. São Paulo. Martin Claret, 2007.
___________, Friedrich. Assim falou Zaratustra, tradução Pietro Nassetti. São Paulo. Martin Claret, 2002.

Fonte: texto enviado por e-mail pelo Cepec- Centro de Estudos Politicos Econômicos e Culturais. (Revisei ortográfico e gramaticalmente - Ramiro R. Batista)

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Documentários.

domingo, 12 de setembro de 2010

Ler não é tão importante

"O psicanalista e professor de literatura Pierre Bayard pede aos colegas: parem de fingir que lêem tudo e admitam que não é essencial ler um livro até o fim.


por Rita Loiola (Revista Superinteressante)

 

Pierre Bayard chega para a entrevista com o cabelo desarrumado, uma pasta de couro atulhada de livros e, embaixo do braço, o Libération, um jornal da esquerda francesa fundado pelo filósofo Jean-Paul Sartre. Não parece nem um pouco o mesmo sujeito que vem pedindo a seus colegas que confessem não ter lido todos os livros que citam nas notas de rodapé dos estudos acadêmicos. Psicanalista e professor de literatura na Universidade Paris 8, Bayard escreve ensaios com títulos que parecem picaretagem, do tipo Comment Améliorer les Oeuvres Ratées (“Como Melhorar as Obras Fracassadas”, sem edição brasileira) ou Como Falar de Livros Que Não Lemos, que virou best seller nos EUA, na Inglaterra e na França e acaba de ser lançado no Brasil. Apesar dos títulos, Bayard fala sério. Para ele, o que nos afasta dos livros é justamente a exigência de ler e a culpa por não conseguir ler obras inteiras. E é mais importante saber situar um livro num contexto que lê-lo inteiramente. No tradicional Café Zimmer, em Paris, (que era freqüentado pelos escritores Émile Zola e Proust, autores que ele apenas percorreu), Bayard afirma que é errado tentar impor regras para a leitura. “Ler um livro da primeira à última linha é uma entre mil formas de leitura que existem”, diz.

Quer dizer que é possível ser culto sem ler um único livro inteiro? 

Sem ler uma obra da primeira à última linha? Sim, claro! Para uma pessoa real­mente culta, o mais importante não é ter lido várias obras por completo, e sim saber se orientar, situar o livro e o autor dentro de um conjunto, para poder compará-los e relacioná-los com outros. É como um encarregado do tráfego ferroviário: ele precisa estar mais atento ao conjunto de vagões e ao cruzamento dos trens do que ao detalhe do interior de um vagão. Ter essa visão do conjunto é muito mais importante do que saber detalhes do interior de um livro.

Quase todo mundo defende que uma pessoa precisa ler muito, mas nem todos lêem? Por quê? 

É justamente essa obrigação de ter que ler que nos impede de chegar aos livros. Sacralizamos tanto os livros, o fato de ler e ter que guardar todas as informações e detalhes dos textos, que acabamos morrendo de medo das palavras e, então,... não lemos. Prefiro evitar todo tipo de “dever” ou “obrigação” sobre esse assunto. A leitura é um ato de liberdade. Não há como impor regras a ela.

Como assim?

Eu, por exemplo. Nunca li o Ulisses, de James Joyce, e nem pretendo. E nem por isso deixo de conhecê-lo. Sei que a história se passa em apenas um dia, tem a ver com a Odisséia, de Homero, e sei de vários detalhes que me permitem ter uma ótima conversa sobre o texto com quem quer que seja. E para isso não preciso mergulhar em suas páginas. Quer ver outro ótimo exemplo? Todo mundo fala da Bíblia, mas são raríssimas as pessoas que a leram do começo ao fim. E, no entanto, é um dos livros mais citados do mundo. Há milhares de formas de abordar um livro e não somente sua leitura integral.

E um desses jeitos é justamente a não-leitura?

A relação com a leitura é complexa. Entre a leitura e a não-leitura há uma infinidade de graus. Não podemos achar que a leitura da primeira à última linha é a única existente – até porque muitas vezes não fazemos isso. Podemos simplesmente percorrer as páginas do livro, ou ler o título e a orelha, ou então passar os olhos por um ensaio sobre a obra sem nunca tê-la entre as mãos. Um livro também pode entrar na nossa vida e fazer parte dela quando ouvimos falar sobre ele. Ler ou ouvir o que os outros dizem são atitudes que fazem com que tenhamos uma idéia e um julgamento sobre o seu conteúdo. E tudo isso já é uma relação com suas páginas, é também uma forma de ler.

Não precisamos sentir culpa ou vergonha por não ter lido as grande obras?

Não – é muito melhor ser sincero com si próprio. A obrigação de ler os clássicos ou de ler os livros do começo ao fim é tão grande que faz muita gente mentir que leu, até mesmo professores universitários. Instaura-se assim uma mentira coletiva da cultura sem lacunas, de que devemos nos angustiar por não termos tanto quanto poderíamos. Mas não precisamos ter vergonha nem culpa. É melhor praticar a não-leitura ativa, ou seja, admitirmos que não lemos tal obra e, mesmo assim, falar sobre ela.

Você fala sério quando sugere que a não-leitura seja ensinada nas escolas? 

Eu prefiro não dar conselhos. A idéia do que escrevi é mostrar uma forma leve e divertida de tirar a culpa do leitor por ele não ter lido essa ou aquela obra. Fazer com que as pessoas reflitam sobre a ação de ler, percam o trauma e, mais aliviadas, possam ler mais e livremente. Depois que os livros saíram, dezenas de pessoas vieram me confessar que ficaram mais calmas depois de perceber como ficam culpadas por não ter lido as grandes obras.

Se não temos a obrigação de ler tudo, por que alguém deveria ler seu livro?

Não deveria. Eu escrevo pensando em pessoas que se interessam pelos livros e que gostam de refletir sobre hábitos de leitura. Estudantes, professores, pessoas que estão na área das letras. Ninguém tem a obrigação de ler o que escrevi. Não quero dar conselho algum, da mesma maneira que não concordo com a idéia de que alguém “deve” ler Marcel Proust, “tem que” ler James Joyce.

Então podemos falar de livros que não lemos?

Sim, é até melhor que a gente fale sobre um livro sem tê-lo lido completamente. Um debate nunca se limita a um livro: geralmente acaba na discussão sobre nossas noções de cultura e literatura. Se eu tiver as mesmas idéias e referências idênticas às das pessoas com quem estou conversando, qual a graça? Aí não existe uma boa discussão, não existe troca de idéias, não existe prazer. A boa discussão está em nunca conhecer tudo.

Não há o perigo de incentivar a preguiça de ler?

Não quero de modo algum dizer que não precisamos dos livros. Eu adoro ler, leio muito e não escrevi um tratado para que as pessoas parem de ler. A idéia é somente tirar o livro do pedestal do sagrado em que ele está. Quem incentiva a preguiça é a exigência de ler. Na escola, os alunos são obrigados a decorar detalhes do texto. Isso os afasta da leitura. Se o aluno não tem uma memória de elefante, pronto, vai mal na prova. A temida ficha de leitura, por exemplo. Eu nunca consegui fazer uma ficha de leitura decente na minha vida, porque tenho uma memória terrível. E meu filho, quando passou por essa tortura, me disse que era esse trabalho de decorar personagens e o enredo que o desencorajava a ler. Foi aí que comecei a pensar sobre esse trauma e sobre os milhares de caminhos que existem quando se trata de literatura.

Você fala que a “desleitura” é um desses caminhos. Dá para ler um livro se esquecendo dele?

Assim que terminamos um livro entramos em um movimento direto rumo ao esquecimento. Vamos esquecendo as passagens, as palavras, e acabamos transformando a obra lida em algo completamente diferente. Se li todo o Crime e Castigo e depois esqueci, isso quer dizer que eu li o livro ou não? E se não me lembro de nada? Se apenas o folheei, isso quer dizer que não li? Se alguém tem uma péssima memória – como eu –, acaba esquecendo inclusive se leu ou não o texto. Mas, cada vez que citamos a obra, ela vai se tornando outra coisa, vai mudando. É isso que eu chamo de desleitura, esse movimento pessoal rumo ao esquecimento.

Isso é bom ou ruim?

É bom. O filósofo Montaigne, por exemplo, era um esquecido célebre. Há passagens dos Ensaios em que ele diz que as pessoas mencionavam seus escritos e ele não percebia. Imagino que minha memória seja ruim como a dele. Já precisei reler meus livros porque os jornalistas começaram a solicitar entrevistas e eu não tinha idéia do que estavam falando. Mas isso faz também com que possamos ter conversas enriquecedoras sobre esses textos, porque nunca uma pessoa vai ter dentro de si o mesmo livro que outra. Cada um adiciona coisas suas às obras que leu. Há diferenças culturais que fazem com o que um livro possa ter infinitas leituras.

Em Como Falar de Livros Que Não Lemos, você dá conselhos e técnicas a quem quer ter essa atitude. As dicas vieram de experiência própria?

Quem vive no mundo da literatura, como no caso de professores como eu, sabe, na verdade, que não é preciso ler para falar de livros. Professores, críticos e jornalistas não têm tempo hábil de ler tudo o que poderiam, e isso acontece desde sempre. Então por que não admitem isso? Não é preciso decorar pontos e vírgulas para ter uma opinião sobre as obras. Para essas pessoas, criei algumas técnicas. Mas não vou enumerar para você porque eu sei que tem muita gente que vai comprar o livro só por causa dessa parte. [Tudo bem, Bayard, nós mostramos algumas de suas dicas no boxe abaixo.]

Você está ciente que o livro pode ser vendido como um guia dos picaretas da leitura?

Mas claro! Essa é a brincadeira, mas é muito melhor guardar segredo. Vai que o livro vira best seller também no Brasil.

Guia da não-leitura

As dicas de Bayard para você comentar livros que não leu*
Não tenha vergonha

“Não há nenhuma razão, contanto que tome coragem, para não dizer francamente que não leu este ou aquele livro, nem para se abster de falar a seu respeito. Não ter lido um livro é a hipótese mais comum, e aceitá-la sem se envergonhar é uma premissa para começar a se interessar pelo que está verdadeiramente em jogo, que não é um livro, mas, sim, uma situação de discurso.”

Invente o livro

“A obrigação de falar de livros não lidos não deve ser vivida de maneira negativa, em meio à angústia ou ao remorso. Para quem sabe vivê-la positivamente, para quem consegue se livrar do peso de sua culpa e prestar atenção na situação em que se encontra e em suas potencialidades múltiplas, ela oferece, com a abertura da biblioteca virtual, um autêntico espaço de criatividade.”

Imponha sua idéia

“Se o livro é menos o livro do que o conjunto de uma situação de palavra onde ele circula e se modifica, é a essa situação que é preciso ser sensível para falar com precisão de um livro sem tê-lo lido. Pois o livro não está em causa, mas, sim, o que ele se tornou dentro do espaço crítico onde intervém e está sempre em transformação, e é sobre esse objeto móvel que é preciso estar em condições de formular proposições.”

Fale de si próprio

“Se tivermos em mente, nas múltiplas situações complexas analisadas por nós, que o essencial é falar de si e não dos livros, ou falar de si através dos livros – a única maneira, provavelmente, de falar corretamente deles –, a percepção dessas situações se modifica sensivelmente, uma vez que são os múltiplos pontos de encontro entre a obra e a própria pessoa que é urgente enfatizar.”

* Extraído do livro Como Falar de Livros Que Não Lemos.

Pierre Bayard

• Tem 52 anos e dá aulas de literatura na Paris 8 – a mesma universidade que acolheu intelectuais como Lacan e Foucault.
• Nasceu em Amiens, uma cidadezinha do norte da França cujos habitantes são conhecidos pelo bom humor e pela ironia.
• Gosta de filmes americanos de aventura, como O Feitiço do Tempo, e até os utiliza como exemplos em seus ensaios.
• Mudou com os pais para Paris aos 11 anos e descobriu que nasceu para o mundo das letras. Escrever é o seu passatempo preferido desde os 14 anos."
Fonte: Revista Superinteressante.