Preciosidades

quarta-feira, 30 de maio de 2012

A Nude Drawing - 2007 - Costa Araujo

A Costa Araujo - Nude drawing - Water color - A3 - 2007
Neste trabalho magnífico, o talento de Costa Araujo se revela num nu raro, contrastando cor com os efeitos do tempo no corpo, principalmente em quem mais sofre, a mulher. Um nu surpreendente em que o corpo feminino é visto em dois tempos, simbólica e fisicamente. Por detrás, os números do tempo que não poupa nada nem ninguém. Mais uma obra que nos faz pensar, refletir e admirar este grande mestre num dos ofícios mais nobres: a arte. A arte de Costa Araujo.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Ressocialização e arte, por Antonio Veronese

Do Portal Luis Nassif

Blog de dalva de oliveira

Ressocialização e arte (ou 600 meninos) - Antonio Veronese

"Imaginem uma sala pequena e suarenta, quase escura, com 46 meninos dentro.
25 são negros, 12 mulatos e 9 brancos.
16 estão com piolho, 4 com escabiose, 11 com conjuntivite, um tem o corpo coberto por furúnculos.
16 tem cicatrizes massivas resultantes de agressões.
12 já foram baleados, quatro feridos à faca, três têm marcas de queimaduras.
26 são analfabetos totais, 12 só sabem escrever o próprio nome.
28 são órfãos de pai, 8 órfãos de mãe, 6 de pai e mãe.
9 deles foram violentados.
39 já fumaram maconha.
41 já cheiraram cola.
22 revelam uma grande "fissura" por chá de cogumelo.
7 têm tiques nervosos entre os quais a gagueira.
Um tem hipermetropia e catarata degenerativa,
um está com pneumonia,
um com suspeita de tuberculose,
um tem a pele da perna direita fragilizada devido a queimaduras de terceiro grau.
23 estão com algum tipo de doença venérea,

6 estão jurados de morte pelo tráfico,
11 têm desavenças sérias na própria comunidade ou no presídio,
um tem dezoito marcas de queimaduras a cigarro,
um tem um pedaço de vidro encravado na face,
e um perdeu totalmente a articulação do cotovelo esquerdo após ser amarrado a um automóvel e arrastado.
Dos quarenta e seis, 12 estarão mortos antes de completar 25 anos.
A sala, dentro de um presídio de menores, tem uma mistura de cheiros produzidos pelos desarranjos intestinais e a copiosa sudorese. Esse grupo de infelizes não incomoda mais; está retirado das ruas, não causa mais risco a ninguém. Esse grupo nasceu mal-nascido, cresceu mal-nutrido, desde pequeno apanhou como gente grande, ainda impúbere fez sexo como gente grande...
Esse grupo de desgraçados logo descobriu que uma ponta de cola de sapateiro, dez vezes mais barata do que um cachorro quente, tira a fome e ajuda a dormir...
Esse grupo de meninos, órfãos absolutos do Estado, até que tentou arrumar um emprego, mas acabou sucumbindo ao canto de sereia dos traficantes,com suas ofertas de dinheiro fácil e emoções sem limites.
Esse grupo, de trágico passado e sombrio futuro, está reunido nesta pequena sala, na modorra da tarde, para ouvir Mozart e pintar a óleo e, surpreendentemente, o trabalho que resulta desta tosca oficina encanta a todos, e revela, apesar de tudo, uma remanescente alma de criança nesses meninos de cara feia e história triste.
Pelo simples exercício de pintar e ouvir música, mais de 50% deles tem suas penas reduzidas ou comutadas, sendo considerados re-adaptados ao convívio social. Provocados por atividades estético-culturais emocionam-se e recuperam rapidamente a auto-estima e a dignidade. A violência intra-grupo cai a zero e a sua reincidência no crime é três vezes menor.
Somente no Rio de Janeiro mais de 600 meninos são assassinados a cada ano.
Outros 5.500 sofrem lesões corporais dolosas, e 60% de todas as crianças cariocas,independentemente de classe social ou geografia urbana, sofrem de doenças psicossomáticas relacionadas ao medo.
Acabo de apresentar à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas fotografias de 160 dessas crianças que trabalharam comigo, as quais têm em comum os corpos marcados por cicatrizes decorrentes da violência urbana, doméstica e policial.
Os números censitários da violência contra menores no Rio nos permitem afirmar que há um genocídio de jovens em curso no Brasil! E, disso, precisamos tratar prioritariamente! Não advogo impunidade, pois sei que muitos destes infratores têm tal septicemia moral que têm que ser afastados do convívio social. Mas o que especialmente me incomoda é a constatação de que a imensa maioria deles poderia ser salva, mas , apesar disso, está simplesmente sendo jogada no lixo." 
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Sobre o autor:

"Ao recolher esses meninos infratores em seu atelier Veronese os transforma simplesmente em meninos. Quando os ensina a pintar, transforma-os em artistas". Antonio Callado

Antonio Veronese, artista brasileiro de renome internacional, tem obra exposta em numerosos museus, coleções públicas e privadas no Brasil e no exterior. Pela denúncia da violência contra menores no Rio de Janeiro, Veronese foi convidado-palestrante à Comissão de Direitos Humanos da ONU- em Genebra, e recebeu, da Suprema Corte de Justiça brasileira, a menção Honnoris Causa" Risoleta Córdula-Assustos Culturais-Embaixada brasileira em Paris.

Antonio Veronese manteve durante anos, na década de 90, um projeto de oficinas de arte nos centros de recuperação de jovens infratores, utilizando a pintura como forma de reabilitação psico-pedagógica dos adolescentes entre 12 e 18 anos. Alguns dos trabalhos produzidos pelo jovens foram expostos em Genebra (Suíça), no Salão Negro do Congresso Nacional, em Brasília, e na Universidade de San Francisco, nos Estados Unidos.

Radicado na França desde 2004, ele se sente - ao menos artisticamente - em casa. A troca de endereço, portanto, foi útil, embora tenha sido motivada por ameaças de morte, recebidas depois que Veronese denunciou casos de violência contra menores no Brasil.

O engajamento em favor de crianças e adolescentes carentes é uma das características de suas obras - além de uma espécie de obsessão por rostos. Antes de deixar o Rio - que o paulista de Brotas adotara por anos -, deu aulas de arte para menores infratores no Instituto João Luiz Alves, na Ilha do Governador. Em 1998, chegou a cobrar da então primeira-dama, Ruth Cardoso, medidas para tirar das ruas crianças abandonadas. Sua obra Just Kids (Apenas Crianças) é usada pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para simbolizar os dez anos do Estatuto da Infância e da Adolescência (ECA), enquanto Save the Children (Salvem as Crianças) é símbolo dos 50 anos da ONU. Apesar de distante do Brasil, Veronese, de 55 anos, se diz ligado a essa temática e ao país. Mas se sente esquecido pela crítica brasileira, que, segundo ele, lhe dedica "a mais absoluta e total indiferença".