Preciosidades

terça-feira, 27 de abril de 2010

"Advertência aos pais"


“Um papa em apuros
Nova chuva de escândalos sexuais e um passado de tolerância com padres abusadores minaram a credibilidade de Bento 16. Mas a reação do papa pode marcar uma revolução na Igreja.
Um texto de ALEXANDRE VERSIGNASSI E MAURÍCIO HORTA (Revista Superinteressante de Maio de 2010, p. 19/20)
Duzentos meninos de uma escola para crianças surdas. Essa era a ficha corrida de abusos sexuais de um único padre, o americano Lawrence Murphy. A acusação não veio da polícia nem da imprensa. Mas de outros clérigos, que tomaram conhecimento dos maus hábitos do colega e resolveram denunciá-lo à Santa Inquisição.

À versão moderna da Inquisição, na verdade. Agora quem cuida dos julgamentos religiosos é a Congregação para a Doutrina da Fé. Ao contrário de sua versão sangrenta da Idade Média, ela funciona como uma espécie de corregedoria interna do Vaticano. Decide quem deve ser expulso da Igreja, por exemplo.

Bom, o chefe da congregação recebeu as denúncias contra Murphy em 1996. Mas, Inexplicavelmente, não tomou nenhuma providência. Ficou em silêncio. Segundo o New York flmes, que revelou esse fato em março, o chefe da congregação preferiu abafar o caso para evitar um escândaIo. O nome do chefe: Joseph Ratzinger, que 9 anos depois se tornaria o papa Bento 16.

A reportagem engrossou um caldo que já estava entornando. As acusações de pedofilia contra padres católicos, que já vêm de longa data, tinham chegado a um ponto crítico em 2009. Foi quando vieram à tona na Irlanda dossiês relatando o abuso de 15 mil crianças, a maioria meninos, em mais de 250 instituições da Igreja no país entre 1930 e 1990. Seguiram-se, então, 350 denúncias na Holanda mais 300 na Áustria e na Alemanha - incluindo entre os acusadores ex-membros do Coral dos Meninos de Viena, o mais famoso do mundo. Depois, antigos integrantes de um coral alemão que tinha sido dirigido pelo irmão mais velho do papa, Georg Ratzinger, fizeram o mesmo (não houve denúncia contra ele, mas novas suspeitas de omissão ficaram no ar).

O desastre da pedofilia toma uma escala gigantesca quando se trata da maior religião do mundo, com 1 bilhão de fiéis e 400 mil sacerdotes. Um relatório encomendado pela Conferência de Bispos Católicos dos EUA levantou que 4% dos padres haviam sido denunciados por abuso sexual de menores no país entre 1950 e 2002. No resto do mundo, segundo o mesmo relatório, a média estaria entre 1,5 e 5%. Ou seja: o próprio Vaticano assume que existe uma grande chance de a proporção de pedófilos entre padres ser até maior que na sociedade.
A maioria dos abusos sexuais aconteceu antes dos anos 80, quando a Igreja os via nem como doença mental nem como crime, mas exclusivamente como um pecado - algo que equivale a tratar o agressor como vítima. As coisas têm mudado desde 1976. Foi quando começou, nos EUA, um programa para tratamento de desordens psicossexuais dentro da Igreja. Era a primeira vez que transferiam a questão do plano espiritual para o científico. Hoje, seminaristas precisam passar por avaliações psicológicas antes de ser admitidos, e, com isso, eventuais candidatos que escolhem o celibato como um meio torto de suprimir seus conflitos sexuais têm menos possibilidade de receber a batina.
A maior mudança, porém, veio a público dia 12 de abril: o Vaticano instruiu abertamente os bispos do mundo todo a acionar a Justiça comum de seus países quando souberem de algum caso de pedofilia envolvendo os padres de sua diocese. Se funcionar, será uma revolução. Desde quando se entende por instituição, a Igreja evita trocar figurinhas com o Estado laico. Faz sentido, de certo ponto de vista. Nos seus quase 2 mil anos de existência, o catolicismo viu surgir e ruir impérios, sistemas de governo foram criados e destruidos. É natural que uma instituição com esse passado se resguarde em suas próprias leis.
O silêncio sobre crimes internos foi até ratificado no século 20. No documento Crimen Soilicitationes, de 1962, o papa João 23 determinou que abusos de crianças deveriam ser lidados pela Igreja em segredo total. Quem abrisse a boca seria excomungado. Se o Vaticano considerasse a acusação infundada, todos os documentos do caso seriam destruidos. Se as provas fossem contundentes, o acusado receberia uma intimação e seria levado a um julgamento canônico - isto é, próprio da Igreja. Em 2001, o então cardeal Ratzinger confirmou que a Congregação para a Doutrina da Fé continuaria a ter competência exclusiva em relação aos abusos. E, até que as investigações terminassem, as acusações deveriam permanecer em segredo. Levar à Justiça comum, nem pensar.
Agora, ao voltar atrás, Bento 16 deu um grande passo à frente. Resta saber se a instituição que ele comanda saberá lidar com a Justiça dos homens depois de milênios vivendo no mundo particular da lei divina. Se ela aprenderá a purgar seus pecados assim, na terra. Como no Céu.”

terça-feira, 20 de abril de 2010

Lula, O Filho do Brasil. Fábio Barreto (baseado na obra de Denise Paraná)



Sinopse:
A trajetória pessoal e profissional de Lula, desde o seu nascimento, em 1945, no sertão pernambucano, até 1980, quando era o maior líder sindical do país. Uma trajetória marcada por dificuldades, perdas e uma notável capacidade de superação.


Ficha Técnica:
Título Original: Lula, o Filho do Brasil
País de Origem: Brasil
Gênero: Drama
Classificação etária: 12 anos
Tempo de Duração: 128 minutos
Ano de Lançamento: 2009
Estréia no Brasil: 01/01/2010
Site Oficial: http://www.lulaofilhodobrasil.com.br  
Estúdio/Distrib.: Europa Filmes
Direção: Fábio Barreto


Elenco:
Rui Ricardo Dias ... Luis Inacio Lula da Silva
Glória Pires ... Dona Lindu
Juliana Baroni ... Marisa Leticia
Cléo Pires ... Lurdes
Lucélia Santos ... Professora
Milhem Cortaz ... Aristides
Marcos Cesana ... Feitosa
Antonio Saboia ... Vava


Fonte:


http://cine-anarquia.blogspot.com/2010/04/lula-o-filho-do-brasil-lula-o-filho-do.html

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Um lapso de razão. André Sant’Anna


Eu sou é doido. É por isso que eu como cocô. Porque o cocô sai de mim e eu não quero que ele saia. Eu não tenho nada que é meu, só o cocô, então eu quero que ele fique dentro de mim e, quando o cocô sai, eu como ele de novo que é pra ele não ir embora e eu não ficar pobre. O pessoal não quer que eu coma cocô, mas eu vou comer o cocô sim, porque o cocô é meu. Eu não pego o cocô de ninguém pra comer, mas o meu cocô é meu e eu como ele na hora que eu quiser e se alguém vem pra roubar o meu cocô eu fico muito nervoso. É por isso que eu sou doido. Quando eu fico nervoso, aí eu que eu como mais cocô mesmo. Aí eu como até o cocô do meu cachorro, que também é doido porque ele também come cocô. Pego meu cachorro, dou um pouco do meu cocô e ele me dá um pouco do cocô dele. É troca. Todo mundo que como cocô é doido ou então é criança. Criança também é doido, porque criança pequena come cocô que eu já vi. Quando eu tinha uns filhos, eu via eles comendo cocô e eu não comia. Eu não comia nada antes, só trabalhava. Mas aí, quando eu comecei a comer cocô, fiquei doido igual criança. É bom, porque doido não precisa trabalhar e não precisa ter filhos que come cocô, porque não tem outra coisa pra comer, porque quando a gente trabalha não pode comer cocô e fica também sem nada pra comer. É melhor não fazer nada e comer cocô do que trabalhar e não comer nada. O pessoal que passa tenta me tirar daqui porque eu sou doido e como cocô. Eles falam que eu não posso comer cocô, porque quem come cocô é doido e eu sou doido mesmo e vou continuar comendo cocô. Se eles me levarem pra outro lugar, eu vou comer cocô do mesmo jeito, porque o meu cocô não acaba nunca, porque cocô é sempre cocô e não precisa nem cozinhar. Se me botarem na cadeia, eu vou comer cocô, se me mandarem de novo pro hospício, eu vou comer cocô. No hospício, todo mundo come cocô porque lá todo mundo é doido. É bom também comer cocô porque não precisa limpar a rua. Eu como o cocô todo e o chão não fica sujo de cocô e o pessoal não rouba o meu cocô que eu já comi e nem bate em mim porque eu sujo a rua com o meu cocô. O pessoal, os porteiros, acham que o meu cocô é sujo, mas é mentira. O meu cocô é muito mais gostoso do que o cocô dos doido lá do hospício, porque eu só como cocô. Um cocô vira outro cocô, que vira outro cocô, que vira outro cocô e por aí vai. Então, o meu cocô vai ficando cada vez mais limpo porque não é cocô de comida estragada. É cocô puro. Eu sei que isso é coisa de doido, isso de comer cocô. Mas eu não sou ladrão, não sou maconheiro, não sou mendigo. Eu sou é doido. Eu pareço mendigo, mas é só pro pessoal deixar eu comer cocô em paz. Se eu falar pro pessoal que eu sou doido, aí eles vão querer fazer tratamento em mim pra eu parar de comer cocô. Eles dão uma remédio que faz a gente não ter mais vontade de comer cocô. Aí, a gente fica parado, sem vontade de fazer nada e continua doido, só que sem vontade de comer cocô. Só de pensar nisso eu já fico nervoso, com vontade de comer cocô. Só que agora eu não tô com vontade de fazer cocô e o meu cachorro sumiu, senão eu comia o cocô dele. Só que o meu cocô é muito melhor do que o cocô do meu cachorro. É porque eu sou doido. Meu cachorro, não. Meu cachorro é mais é criança que come cocô sem ser doido. Ou é doido também, criança? Cachorro. Eu não sei. Eu não sei se eu comia cocô antes, quando eu era criança. Eu não lembro. Mas depois, quando eu não era mais criança, eu não comia cocô. Eu comia marmita que a minha mulher fazia. Era uma marmita pequena. Aí eu comecei a comer cocô e ficar doido e sem trabalhar e a minha mulher me mandou embora pra mim não comer cocô na frente de uns filhos que eu tinha e que comiam cocô igual doido. Sem ser doido, só criança que é normal come cocô de vez em quando. Eu não. Eu sou é doido. (Na revista Ácaro, #1, literatura e outras milongas.)

Fonte:

Texto atribuído a André Sant’Anna (Belo Horizonte, 1964), filho do escritor Sérgio Sant’Anna, que é, também, um escritor e trabalha, atualmente, como roteirista de publicidade, cinema e televisão. Anteriormente, era contrabaixista do grupo Tao e Qual, nos anos 1980, além de compositor.

domingo, 18 de abril de 2010

As mãos. Lena Leal


Mal tocam o papel e os dedos firmes, com destino certeiro vão construindo formas lexicais completas, às vezes cansadas. Na lógica e no cálculo trabalham com muito mais voracidade que o desejo do deserto pelo rio. Os leitos são construídos cada vez mais largos e densos.
Já cansadas e calejadas. Unhas carregadas por grossas cascas. Vaidade esquecida em longas horas com o grafite e papel, esquecidas, mas cheias de desejos. No vai e vem do dia a dia, na escola, no ônibus, nas lojas, são comparadas às outras belas, lisas, brilhantes, macias e vaidosas.
Calos rijos causam transtorno, vergonha e às vezes escondem-se nos bolsos, na timidez. O simples criar já não é mais causa de prazer e sim angústia, desespero. Olham-se no espelho da alma e o que já produziram? Sulcos do tempo e calos explícitos contam sua própria história.
Os pés, que mal saíram do lugar, descansaram, vendo-as trabalhar, agora em sagaz velocidade caminham rumo ao porão, os mesmos, quase inúteis chutam a porta. As mãos, “as mãos” puxam a corda. A guilhotina enferrujada cai. E da boca, que mal produziu algum som, ouve-se um grito.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Ninguém morre de amor. Fernanda Hanna


Ninguém morre de amor.
Ninguém sucumbe, porque outro lhe deixou, mais do que suporte a própria dor.

O que impõe o sofrer é o desdém.
Já dizia Renato Russo: “...é a verdade o que assombra, o descaso o que condena e a estupidez o que destrói...” (*).

A verdade estampada na face diz que há amor.
Porém este é frágil e não suporta, dos caprichos, a pressão e o odor.
O descaso carrega consigo todas as lembranças boas, sorrateiramente tornando latentes os limites e as dificuldades.
A estupidez, por onde passa, a tudo impregna com seu mau humor.
Leva consigo trocas amáveis e carinhos em detrimento de críticas severas, tornando pequenos defeitos d’antes superáveis, em tonéis abarrotados de intolerância.

Assim, tal qual Romeu e Julieta, apenas outras personagens afins tiveram o mesmo fim.
Diz a regra, assinala a história ou a estória que há mortes por amor.
Não há.

O amor não mata, mas o vácuo mal reverberante que se instala quando ele voa e deixa a alma, este sim.

A mente fica com a sensação de que está inebriada, embriagada.
Os dias são intermináveis e as noites duram poucos instantes.
Só aqueles suficientes pra apagar a luminária, virar de lado e ver o sol rompendo a janela para nascer.
As noites tornam-se apenas alguns momentos escuros do dia, que não deveriam ser vistos.

Mas os olhos não quedam, e atentos mantém a vigília.

E outro dia surge e com ele as velhas notícias, as novidades e um gosto amargo na boca.

Aquele que ficou do beijo não dado, das palavras não ditas, da pressão que vem do fundo e sufoca o pensamento com idéias que distorcem a realidade.

Lá ao longe o anunciador dos ventos faz o seu trabalho, mas a purpurina já não se espalha pelo ar.

O encantamento se foi.

Porque uma sombra que ofusca a mente e turva os olhos ocupa o lugar do verbo amar.

Simplesmente amar perde a razão em lugar de idéias sugeridas e que embaçam a razão, conferindo-lhe crédito, em meio à ausência de visibilidade.

Porque alguém disse que simplesmente amar não pode dar certo, que é simples demais e por isso não pode ser.

Resta a certeza de que o tempo, que de tudo se encarrega, vai passar e então a verdade há de se impor.

Mas o tempo, que de tudo se encarrega, haverá passado.

 São Paulo, inverno de 2005.

* Metal Contra as Nuvens – Legião Urbana

Fernanda Hanna

domingo, 11 de abril de 2010

Calda de Açúcar. Otávio Augusto Martinez


Após a visita de Dr. Jenkins e do delicado chá de jasmim, tudo muda, o silêncio ensurdece. Ao retirar-se, todas juram que a cauda de seu jaleco torna-se um cortejo de anjos prematuros envolvidos em baba. Ou seria calda de açúcar?

É justamente nesse momento, quando o sol se põe e então sua luminosidade infernal estoura pelos vidros baços da ala leste de St. Pancras, que se revela alguma verdade sobre cada uma delas. Ao caminhar pelos corredores de brancura cirúrgica, as faces são divididas: a metade oriental é avermelhada, e a ocidental, jaz em trevas; essa hora dá às ilustres transeuntes da ala psiquiátrica uma certa verdade, um brio, uma aura mística, as coloca no mundo exatamente a elas devido. O Surreal.

Espanta-me, por exemplo, o caso de Mrs. Huntington e suas companheiras de cela. Lá fica ela, a expelir involuntariamente um filete de baba pelo canto da boca, vivendo um eterno desvão na história, com aquele brilho de vidro nos olhos estatelados a espelhar tudo ao redor, sentada à beira da janela, com a cabeça pendida e um bloco de notas quase em branco na mão, como se fosse personagem de um quadro de Hopper; espasmos lhe ocorrem ao fim do dia, seguem-se os gritos grotescos, porém, Dr. Jenkins, preciso e frio, como sempre, lhe devolve o silêncio como dádiva. Santo Homem aquele, e nem tem espada, nem nada.

Divide os aposentos com Mrs. Huntington, a bela jovem Rosamond que, se não fosse a tendência à auto-extirpação de órgãos, encantaria qualquer homem do mundo com seus traços delicados, gélidos e, principalmente, pelo fato de já não possuir uma língua na cavidade bucal.

Elizabeth é a terceira. Sempre a sorrir. Relata em longas missivas os substratos de sua experiência de imersão num mundo gasoso, dado o excesso de sinestesias que vive, tanto as da psique, como as que literalmente materializa... A pirocinese da moça psicótica faria o queixo de Rimbaud cair.

Quando a noite cai, as três deitadas sob seus leitos alvos mantêm-se olhando para o teto. Rosamond pensa nos poemas não escritos pela velha; a velha... A velha quase não pensa, e quando o faz, escreve, com tamanha simplicidade e objetividade.

“Como é aprazível a ausência de substantivos e adjetivos que enchem de solenidade e rococós aquilo que é vazio e prosaico por natureza. Prefiro aquelas palavras simples, cotidianas, sem apelos... Receitas de bolo com calda de açúcar! Nada mais. Nada de lirismo, nada de retórica, nada de encantos literários tão efêmeros como os de Elizabeth. Tudo isso é uma grande demagogia. O que, no fundo, estes poetas e prosadores buscam é o afeto e o reconhecimento” – Pensa Rosamond. Já Elizabeth... A essas alturas, mesmo sem dormir, sonha.

Todas manhãs, as duas moças passam por Mrs. Huntington, e em seus olhos se vêem refletidas; e com elas, o mundo. Naqueles olhos matutinos sempre há uma inquietação que se avulta vagarosamente com o passar das horas do dia, o mesmo acontece com as outras: Rosamond passa a sentir a necessidade incontrolável de reduzir-se. A ladeira rumo a lugar-nenhum é seu caminho, alcançar o grau zero é imperativo ético de sua estética para tudo. Os sonhos de Elizabeth tornam-se pesadelos, o orgasmo incendiário se torna iminente e o desespero a domina. Mrs. Huntington, já sinalizando alguns espasmos, passa a emitir grunhidos...

O clamor constante de ondulação hipnótica torna-se um mantra; gemidos, como miados fracos, indefesos, desalentados e aterrorizados... Gemidos... Miados, chorosos... Indefesas mulheres... Aterrorizados gemidos... Mulheres chorosas... Indefesas... Miados... Desalentadas lágrimas... Até, vertiginosamente alcançar os berros grotescos de Mrs. Huntington...

Pela lateral, ouve-se o salto do sapato tocando o solo e emitindo seu som surdo, seguido pelo atrito da sola que agora parece estilhaça-lo vagarosamente. Numa cadência continua, porém espaçada. É a marcha que antecede o epílogo de um dia na vida destas mulheres.

Dr. Jenkins, fabiano por excelência, com um ar cínico, diz se aproximando: “É coisa de poeta babão esse papo de que, na loucura, achega-se a verdade. Que verdade? Mostra tua verdade, Mrs. Huntington...”

Aos poucos, a paz sintética volta a reinar nas paredes brancas e nas faces parcialmente avermelhadas. Ouve-se Elizabeth suspirar profundamente, além do tilintar das xícaras, já ao longe...

Após a visita de Dr. Jenkins e do delicado chá de jasmim, tudo muda, o silêncio ensurdece. Ao retirar-se, todas juram que a cauda de seu jaleco torna-se um cortejo de anjos prematuros envolvidos em baba... Ou seria calda de açúcar?

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Otávio Augusto Martinez
Fim do verão de 2007
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www.ocontistacronico.blogspot.com

Otto M

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A Playboy em dois momentos.


1-    “Pobre com avião:
Sou um cara feio e pobre, mas namoro uma gata de parar o trânsito. Quando saímos, tem um monte de marmanjo babando por ela. Será que um dia ela vai cair na real e me dar um pé na bunda? P.
Curiosíssima: qual é o segredo para namorar uma gata que mexe com a libido de toda a concorrência sendo feio, pobre e dono de um complexo de inferioridade tão grande? Fófi, acorda pra vida! Aos olhos dela, você é tudo de bom. Se não consegue enxergar as suas qualidades, você tem duas saídas: ou procura uma terapia que possa ajudá-lo nesse resgate da auto-estima perdida ou desiste de uma vez da fofa. Não há mulher no mundo que queira ficar o resto da vida ao lado de um derrotado por natureza. Nem a sua. Como tenho fé na humanidade, acredito que você vai fechar com a primeira opção. Não me decepcione, viu? (Playboy, nº355, de fevereiro de 2005, p. 21 – Divã da Loura)”

2 - Sem título, mas poderia ser “Avião com pobre”:
“Há dois meses estou com uma garota de 19 anos. Gosto muito dela. No começo ela me disse que era virgem, mas depois a consciência pesou e ela me contou que tinha feito sexo com um namorado. Depois de uns dias perguntei se havia feito com outros, e ela me disse que esse era um problema dela e não gostaria de falar sobre o assunto. Nunca transei com ela. Minha dúvida é se a peço ou não em namoro, pois não sei se gostaria de namorar uma garota que fez sexo com um rapaz de quem não gosto. Moramos numa cidade pequena, e preciso saber com quem ela já se deitou. A.M.
- Caríssimo A., não é possível que você viva em 2010. Certamente você é do século 16 e veio parar aqui transportado por uma máquina do tempo. Que diferença faz com quem ela transou, se transou e como transou? É de admirar que, mesmo bombardeada por perguntas tão absurdas, essa moça ainda tenha algum interesse em você. Você dispensaria a Jennifer Aniston por ela ter transado com o Brad Pitt, ainda que você o considere um péssimo e insuportável ator? A sua cidade pode ser pequena, mas a sua cabeça não precisa refletir o tamanho dela.  (Playboy, nº 418, de Março de 2010, p.31 – Playboy Responde).”
"Playboy 4ever!"

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Conto erótico. Davi M. Gonzales


"Entre limites de idade que vão dos nove aos catorze anos, existem meninas que, diante de certos viajantes enfeitiçados, revelam sua verdadeira natureza, que não é humana, mas nínfica (isto é demoníaca), e a essas dadas criaturas proponho designar como ninfetas". (Vladimir Nabokov — Lolita, 1955)
I

Ele 41, ela 14. Ele, marcado pelas ameaçadoras entradas na já escassa cabeleira e o semblante mais que cansado, resultado do dia de trabalho maçante. Ela, exuberante: curvas realçadas pelo micro short branco e a mini blusa, olhos amendoados e cabelos loiros e longos. Uma graça. Ele tio, ela sobrinha, filha mais velha de sua irmã.  Mas não é só a beleza física que a torna tão atraente, existe algo de particular em seus modos, sua maneira de falar, seu jeito de vestir. Uma áurea que costuma brindar apenas algumas poucas meninas de sua idade...
II

— Então, quando vamos?
Não é a primeira vez que o assunto vem à baila, e tão pouco será a última. Todas as vezes que estão a sós é a mesma estória: ela faz aquele beicinho e inclina o corpo para frente,  um gesto talvez não tão inocente e que torna o decote completamente acessível.

— Acha ainda que sou uma menininha? Olhe direito...
Faz pose, passando as mãos pelos quadris.
— Vê se te enxerga pirralha!
Ela se aproxima ainda mais e o acaricia de leve no peito.
—Tenho tudo planejado: lembra aquele dinheiro que ganhei no final do ano, com o concurso de contos lá do colégio? Pois então, guardei até hoje para esta ocasião especial. Afinal, precisa ser um lugar de classe...
— Nem pensar... Por que não arranja alguém da sua idade?
— Nossa! Que durão... Adoro homens durões... Bom, já que você insiste em se fazer de tão difícil, talvez eu convide o Marcelinho, não acho que ele me dispensaria desta maneira...
— O moleque que mora ali na esquina, aquele com cara de paspalho?
— Realmente ele não tem assim uma fisionomia tão inteligente, mas pelo menos não vive se escondendo pelos cantos, com medo da mulherzinha...
— Mais respeito com sua tia. Perdeu a vergonha é? O que pensa que ela diria se soubesse dessa estória?
— Este é o grande problema de vocês homens, pensam demais... Jamais se deixam levar pelo instinto. Precisa relaxar um pouco, assim qualquer dia enfarta... Fica tranqüilo. Ninguém vai saber... Emprestei o documento de identidade de minha amiga Patrícia. Aí é só caprichar no visual e na maquiagem. Vai ser moleza...
Mesmo a contragosto dele, marcam para quinta-feira. Inventaria alguns clientes americanos de última hora e resolveria a situação de vez. Mas apesar de toda segurança e maturidade de suas quatro décadas bem vividas, não pôde afastar todos os seus receios, e a noite anterior se passa sem que consiga pregar os olhos.
Pára o carro no local combinado, certifica-se de que não são observados e só então a manda entrar.  Depois, pede a ela que fique agachadinha no banco, pelo menos até saírem do lugar, já que podem topar com alguém conhecido. Não pôde deixar de notar a minissaia branca, que pouco esconde de suas coxas perfeitas. Em seguida sente algo de terror, quando se depara bem na esquina, com a vizinha moradora da casa ao lado da sua. Fofoqueira de carteirinha... Acena discretamente tentando esboçar um sorriso. Parece não ter notado sua passageira. Não gostaria de ter que inventar uma série de explicações para aquilo que está tão claro.
Subitamente, sente-se ridículo. Ridículo, mas vivo. Sente-se incrivelmente vivo, como quando contava seus dezenove anos. Uma sensação que há muito não tinha. Questiona-se então se a isto não se deva o fato de tantos homens de meia idade, apaixonarem-se por garotinhas, chegando mesmo a abandonar esposa e filhos. Afinal quem não gostaria de ter de volta seus dezenove, conservando a experiência dos quarenta?
Ela parece alheia a tudo isso. Interessa-se apenas pelo momento, sem conseqüências.

— Então? Já posso olhar?
Levanta-se com uma agilidade que o faz novamente notar o frescor daquela juventude. Ela aninha-se em seu peito com suavidade e descansa em segurança por todo o restante do caminho.
III

Pequena fila na entrada do motel. Mais uma vez a preocupação de encontrar alguém conhecido. Mas afinal, para que preocupar-se — encontros em filas de motel possuem a invariável tendência de manterem-se sigilosos, com o apoio de todas as partes envolvidas. Se alguém topasse com eles ali, naquela hora, não fariam publicidade do ocorrido. Sabe-se que a coisa funciona como um acordo de cavalheiros... Uma pequena confraria...

Ali, naquele momento, com ela aninhada em seu peito, ele torna-se ainda mais sem jeito.

— Tio, não precisa ficar assim... Sabe que gosto muito de ti, não sabe? Prometo que terminamos logo e então pode ir correndo para casa: para os braços de sua querida e irritante esposa... Aposto que neste exato momento ela está esfregando seu famoso creme anti-celulite, vestida com seu chiquérrimo "baby-doll made in Marisa".
— Olha o respeito pirralha... Ela é sua tia...
— Nossa vez! Anda, se bobear furam a fila...
Já dentro da suíte, seus olhinhos brilhantes ficam deslumbrados, não se cansando de verificar todos os cantos do aposento. Mas é ele quem primeiro toma a palavra:
— Então? Gostou? É como você imaginava? Tive uma idéia: por que não tira algumas fotos, com o celular?
— Grande idéia tio, já estou imaginando a cara da Taty, quando eu contar que estive aqui... As meninas nem vão acreditar...
— Bem... Agora quem vai relaxar sou eu: vou aproveitar a hidromassagem e tomar um bom banho. Quando sentir que sua curiosidade foi satisfeita, é só bater na porta e vamos embora. Ah! Já ia esquecendo: nem pense em ligar a TV, aqui só passa filme de sacanagem...

— Valeu tio! Você é demais!

Todos os direitos de reprodução deste conto pertencem a Davi M. Gonzales, escritor. Publicada na Antologia do Prêmio UNIVAP – Fundação Valeparaibana de Ensino (2005).


quarta-feira, 7 de abril de 2010

Todo dia tenho vontade de desistir da literatura. Fabrício Carpinejar


Fabrício Carpinejar é poeta, jornalista e mestre em literatura pela UFRGS. Com mais de dez livros lançados entre poesias e crônicas, o escritor gaúcho já ganhou diversos prêmios por sua obra. Em entrevista à CONHECIMENTO PRÁTICO LITERATURA, Carpinejar conta sobre como lidar com a sombra de Bartleby, o significado de escrever e as dificuldades que ele e outros escritores enfrentam com as palavras.
CP LITERATURA - Talvez, a única pergunta que importa, e uma das mais difíceis de responder seja: o que te faz escrever?
Fabrício Carpinejar - Realmente, é a pergunta que mais atormenta. É uma urgência. O que me faz escrever é a incapacidade, a incompetência para fazer outra coisa. A literatura é um circo, essa possibilidade de completar as falhas, de ter uma honestidade e uma autocrítica muito mais contundente. Por que eu escrevo, então? Porque eu não consigo me enterrar o suficiente.
CP LITERATURA - E o inverso? O que te faz não escrever?
Fabrício Carpinejar - A sua vida quando está muito perfeita. A alegria é meio burra, por mais que eu tenha tentando alfabetizar a alegria, principalmente na poesia. Parece que você precisa ser trágico, fodido, ferrado, acabado, para escrever alguma coisa. Eu não escrevo na hora que a vida não precisa de mediação. O escritor precisa entender que, em alguns momentos, ele mais escreve quando não escreve. A literatura tem que ter um minuto de silêncio. Não adianta somente escrever para ocupar, você escreve para desocupar, para dar espaço. Também não pense que vai ser gênio, porque não conseguirá escrever nada que preste.
 CP LITERATURA - É como quem escreve buscando a eternidade através da literatura. Não?
Fabrício Carpinejar - Exatamente, que eternidade, tchê? Não tem como buscar a eternidade, a gente rão consegue buscar nem coisas muito mais elementares e prosaicas, imagina a eternidade. Esse fato de escrever para a eternidade é um pouco o sonho do suicida. Aquele sonho que é natural em todo mundo, de se imaginar morto, rodeado pelos amigos, todos chorando. A gente não tem que procurar a perfeição, a perfeição paralisa. A gente tem é que combater ao mesmo tempo a facilidade e a dificuldade. Por isso, a literatura é tão difícil. Ela é uma medida e nem todos admitem o possível, todos querem o ideal.
CP LITERATURA - Você certamente tem um lado muito crítico. Como lidar com isso?
Fabrício Carpinejar - Não existe escritor que não tenha vontade de desistir da literatura toda vez que acorda. Todo dia eu tenho essa vontade. É muita entrega, vulnerabilidade, é uma  paixão desmedida. A desconfiança é sadia, ela que vai trazer depois o prazer, o gozo, o regozijo.
CP LITERATURA - E como fazer para suportar essa vontade?
Fabrício Carpinejar - Tem que pensar que o lado crítico humaniza o escritor. Não pode ser niilista, mas a autocrítica vai levar ao humor, a uma irreverência crítica, à ironia. A gente precisa um pouco disso, dessa nitroglicerina do riso, que é admitir os defeitos. Não tem defeito que não possa virar virtude, mas precisa passar pelo vestíbulo do riso.
CP LITERATURA - Quando você mostra um texto, certamente vem uma expectativa do que a pessoa vai achar, seja leitor, parente ou crítico, como lidar com essa espera?
Fabrício Carpinejar - Nâo tenha pressa. É isso que falo. Não tenha pressa. Ninguém tem a obrigação de gostar do que eu fiz. Isso é um erro dos escritores. Eles publicam pensando num consenso. Não há consenso. Não há consenso nem dentro de mim, há muita discordância em mim. Quantas vezes eu li um livro, disse que não gostava e dez anos depois, eu estava em outro contexto, e o livro se abriu generosamente.
CP LITERATURA - Você já afirmou que a literatura não substitui a vida, mas qual a função dela? Para onde ela leva?
Fabrício Carpinejar - Eu não vejo a literatura como fracasso, a literatura não é para suplantar a vida, a literatura é para te ensinar a viver melhor. Ela intensifica a sua observação, você se torna até um pouco autista porque enxerga aquilo que está à sombra, você fica mais humilde. Escrevemos para suportar um dia não escrever mais. É uma preparação. Se você quer o paraíso, procure outra profissão.
(Fonte: Revista Conhecimento Prático – LITERATURA – nº 22, p. 32/33)

terça-feira, 6 de abril de 2010

Jorge Furtado: a antiga imprensa, enfim, assume partido.



Finalmente a antiga imprensa brasileira assumiu que virou um partido político. O anúncio foi feito pela presidente da Associação Nacional dos Jornais e executiva da Folha de S.Paulo, Maria Judith Brito: "Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada". A presidente da associação/partido não questiona a moralidade de seus filiados assumirem a “posição oposicionista deste país” enquanto, aos seus leitores, alegam praticar jornalismo. O artigo é de Jorge Furtado.

Quem estava prestando atenção já percebeu faz tempo: a antiga imprensa brasileira virou um partido político, incorporando as sessões paulistas do PSDB (Serra) e do PMDB (Quércia), e o DEM (ex-PFL, ex-Arena). 

A boa novidade é que finalmente eles admitiram ser o que são, através das palavras sinceras de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais e executiva do jornal Folha de S. Paulo, em declaração ao jornal O Globo:

“Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada.”

A presidente da Associação Nacional dos Jornais constata, como ela mesma assinala, o óbvio: seus associados “estão fazendo de fato a posição oposicionista (sic) deste país”. Por que agem assim? Porque “a oposição está profundamente fragilizada”. 

A presidente da associação/partido não esclarece porque a oposição “deste país” estaria “profundamente fragilizada”, apesar de ter, como ela mesma reconhece, o irrestrito apoio dos seus associados (os jornais).

A presidente da associação/partido não questiona a moralidade de seus filiados assumirem a “posição oposicionista deste país” enquanto, aos seus leitores, alegam praticar jornalismo. Também não questiona o fato de serem a oposição ao governo “deste país”, mas não aos governos do seu estado (São Paulo).

Propriedades privadas, gozando de muitas isenções de impostos para que possam melhor prestar um serviço público fundamental, o de informar a sociedade com a liberdade e o equilíbrio que o bom jornalismo exige, os jornais proclamam-se um partido, isto é, uma “organização social que se fundamenta numa concepção política ou em interesses políticos e sociais comuns e que se propõe alcançar o poder”.

O partido da imprensa se propõe a alcançar o poder com o seu candidato, José Serra. Trata-se, na verdade, de uma retomada: Serra, FHC e seu partido, a imprensa, estiveram no poder por oito anos ( para não dizer mais!). Deixaram o governo com desemprego, juros, dívida pública, inflação e carga tributária em alta, crescimento econômico pífio e índices muito baixos de aprovação popular. No governo do partido da imprensa, a criminosa desigualdade social brasileira permaneceu inalterada e os índices de criminalidade (homicídios) tiveram forte crescimento.

O partido da imprensa assumiu a “posição oposicionista” a um governo que hoje conta com enorme aprovação popular. A comparação de desempenho entre os governos do Partido dos Trabalhadores (Lula, Dilma) e do partido da imprensa (FHC, Serra), é extraordinariamente favorável ao primeiro: não há um único índice social ou econômico em que o governo Lula (Dilma) não seja muito superior ao governo FHC (Serra), a lista desta comparação chega a ser enfadonha. Serra é, portanto, o candidato do partido da imprensa, que reúne os interesses da direita brasileira e faz oposição ao governo Lula. Dilma é a candidata da situação, da esquerda, representando vários partidos, defendendo a continuidade do governo Lula.

Agora que tudo ficou bem claro, você pode continuar (ou não) lendo seu jornal, sabendo que ele trabalha explicitamente a favor de uma candidatura e de um partido que, como todo partido, almeja o poder. -  (Grifos Meus) 

Fonte: Agência Carta Maior.

Teste. Zé Urbano

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