Não sei quando e se pela mão progenitora ou nos seus calcanhares, desceste ainda mais para sul do hemisfério inferior deste achatado globo. Eu, pela parte que me toca, penso que só lucraste com tal viagem, possivelmente, num barco voador ainda movido a hélices. E por lá medraste um ror de anos a fundir ritmos, cores, traços, expressões e outros condimentos que a quentura das Áfricas e Brasis vai desvendando a quem por lá se demora.
Depois, com os sinuosos acasos da vida, subiste para a África de cá (o Alentejo nas palavras poéticas do já desaparecido Rui Knopfli). E por aqui permaneces branqueando as melenas enquanto, com a regularidade de um relógio suíço, cobres com mansidão furiosa a traços e cores mirabolantes tudo quanto pensas propício para gravar o teu pictórico génio. Para isso tens no Alentejo um manancial inigualável. Tens nas ceifeiras alentejanas uma peculiar e arrimada sensualidade criativa. Até parece que nessa antiga labuta trocaste, por momentos, o pincel pela foice. Tal sensualidade que revejo in loco com os olhos que minha mãe me concedeu, dependurada, ali, no lado direito da parede onde me sento e escrevo mesmo agora sobre o mê Araújo, numa ofertada aguarela que desvenda uma jovem apetecivelmente descuidada, de ombros angulosos e duas luas cheias por seios donde se empinam rosáceos mamilos.
Costa Araujo - Acrylic on canvas |
Enquanto olho as palavras já gravadas, passo a memória pelo pluralismo da tua obra. Do exotismo à Gauguin, pintado numa tela existente na tua oficina, à força que salta da tela que exibe uma matrona balzaquiana que tem uma mão brutalmente expressiva e uns olhos poderosos que dizem tudo sobre o trabalho das mãos com imagens do pintor.
Persevera sempre Araújo. O lápis, o pincel, a tinta, o papel e o que demais usas na tua arte, foram também as velhas ferramentas com que os ancestrais pedreiros-livres construíram um mundo harmonioso de criadores.
Joaquim Pulga
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