Preciosidades

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

UM "BRAZILIAN WAY OF LIFE"?


Por Marcelo Cajueiro. (Revista Set)

Revivo o debate sobre o financiamento público para o cinema brasileiro. Lembro do orgulho e do prazer de ver grandes filmes...na minha língua.

Eu e Jiang Guopeng, correspondente internacional da Xinhua, agência de notícias do governo da China, trafegávamos pelas ruas de Port of Spain, capital de Trinidad e Tobago. Depois de um dia exaustivo de cobertura da Conferência das Américas, dividíamos um táxi até o hotel.

Sobre o que conversar? Jiang tinha uma referência cultural brasileira. “Eu baixei na internet aquele filme da polícia do Rio”, disse. Era Tropa de Elite. “Já havia assistido àquele outro”, acrescentou. Cidade de Deus.

Pela temática dos filmes, inferi que Jiang tinha uma percepção ruim do Brasil. Estava errado. Tropa e CDD, mais as referências usuais — Pelé e Seleção brasileira, samba e carnaval, praia e corpos seminus — despertaram no jovem jornalista chinês um inequívoco fascínio por aquela sociedade tropical e latina. E então passei os próximos 10 minutos de viagem tentando saciar a curiosidade de Jiang sobre o modo de vida no nosso país.

Este inusitado papo caribenho me veio à cabeça alguns dias depois, quando entrevistei Manoel Rangel, presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema). Manoel detalhou o investimento que será feito, a partir deste ano, através do Fundo Setorial, novo mecanismo de incentivo à produção de longas no país. Estamos falando de R$ 60 milhões em 2009, divididos através de editais para produção (R$ 30 milhões), distribuição (R$ 20 milhões) e comercialização (R$ 10 milhões). Nos próximos anos, afirma Manoel, o investimento do Fundo Setorial será ainda maior, chegando a uma média anual de R$ 100 milhões  (o grosso destinado a longas).

Ainda que o Fundo  Setorial tenha uma lógica de retorno do investimento, é correto classificá-lo como um mecanismo de incentivo. Assim, devemos somá-lo aos outros incentivos à produção cinematográfica. Em 2008, os valores arrecadados através dos artigos 1° A (que substituiu a Lei Rouanet no tocante aos longas), 1° e 3° da Lei do Audiovisual, Funcines, restos a pagar da Lei Rouanet e prêmios adicionais de renda e de qualidade totalizaram mais de R$ 147 milhões.

Estes investimentos via incentivos tradicionais devem cair um pouco este ano, com a desaceleração da economia e a diminuição dos lucros da empresas. Mas a entrada do Fundo Setorial vai provavelmente compensar esta perda, talvez com sobras. E nos próximos anos, com a esperada retomada do crescimento e o Fundo em plena atividade, a grana para a produção de longas deve crescei ainda mais.

Revivi, na minha cabeça, o velho debate sobre o subsídio à indústria cinematográfica brasileira. Não seria melhor investir estes 150, 200 paus na educação ou saúde pública? Lembrei das várias reportagens da Veja. Quantas casas populares dão para construir com esta boiada? Lembrei-me dos diretores e produtores que superfaturam orçamentos e se remuneram na produção. Do descaso destas pessoas com o público e da arrogância do “eu-sou-um-artista- gênio-e-faço-o-que-quero”.

Mas então recordei o orgulho da Palma e do Urso de Ouro de Central do Brasil e Tropa de Elite. Do prazer de assistir a Cidade de Deus, Eu, Tu, Eles, Bicho de Sete Cabeças, Edifício Master, Estômago... na minha língua. Lembrei também que o soft money (apelido da grana dos incentivos) é uma realidade na maioria dos países. Dos milhares de empregos qualificados no setor cinematográfico. Do famigerado Collor fechando a Embrafilme e reduzindo o setor a pó.

Finalmente, lembrei da conversa com Jiang Guopeng, do fascínio do asiático pelo Brazilian way of life, despertado pelo contato com nosso cinema. E, lá do fundo, emergiu a memória de uma aula na escola de um professor marxista, na qual ele afirmava que os norte-americanos aceitam negociar qualquer questão econômica, menos a restrição à distribuição de seus filmes. (grifei)


Marcelo Cajueiro é correspondente da Revista Variety no Brasil e membro da ACIE (Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil). 

Artigo publicado na Revista SET, de Junho de 2009, p.46. Valeu!

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