Preciosidades

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Ninguém morre de amor. Fernanda Hanna


Ninguém morre de amor.
Ninguém sucumbe, porque outro lhe deixou, mais do que suporte a própria dor.

O que impõe o sofrer é o desdém.
Já dizia Renato Russo: “...é a verdade o que assombra, o descaso o que condena e a estupidez o que destrói...” (*).

A verdade estampada na face diz que há amor.
Porém este é frágil e não suporta, dos caprichos, a pressão e o odor.
O descaso carrega consigo todas as lembranças boas, sorrateiramente tornando latentes os limites e as dificuldades.
A estupidez, por onde passa, a tudo impregna com seu mau humor.
Leva consigo trocas amáveis e carinhos em detrimento de críticas severas, tornando pequenos defeitos d’antes superáveis, em tonéis abarrotados de intolerância.

Assim, tal qual Romeu e Julieta, apenas outras personagens afins tiveram o mesmo fim.
Diz a regra, assinala a história ou a estória que há mortes por amor.
Não há.

O amor não mata, mas o vácuo mal reverberante que se instala quando ele voa e deixa a alma, este sim.

A mente fica com a sensação de que está inebriada, embriagada.
Os dias são intermináveis e as noites duram poucos instantes.
Só aqueles suficientes pra apagar a luminária, virar de lado e ver o sol rompendo a janela para nascer.
As noites tornam-se apenas alguns momentos escuros do dia, que não deveriam ser vistos.

Mas os olhos não quedam, e atentos mantém a vigília.

E outro dia surge e com ele as velhas notícias, as novidades e um gosto amargo na boca.

Aquele que ficou do beijo não dado, das palavras não ditas, da pressão que vem do fundo e sufoca o pensamento com idéias que distorcem a realidade.

Lá ao longe o anunciador dos ventos faz o seu trabalho, mas a purpurina já não se espalha pelo ar.

O encantamento se foi.

Porque uma sombra que ofusca a mente e turva os olhos ocupa o lugar do verbo amar.

Simplesmente amar perde a razão em lugar de idéias sugeridas e que embaçam a razão, conferindo-lhe crédito, em meio à ausência de visibilidade.

Porque alguém disse que simplesmente amar não pode dar certo, que é simples demais e por isso não pode ser.

Resta a certeza de que o tempo, que de tudo se encarrega, vai passar e então a verdade há de se impor.

Mas o tempo, que de tudo se encarrega, haverá passado.

 São Paulo, inverno de 2005.

* Metal Contra as Nuvens – Legião Urbana

Fernanda Hanna

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