Preciosidades

terça-feira, 25 de maio de 2010

Menino levado. Priscila Lopes


Quando ele chegou em casa, assim que chegou em casa, eu disse a ele que aquela seria a última vez, que não iria mais tolerar; que não queria, que não podia, que não conseguia e não iria suportar. Me debrucei com ele sobre as gavetas, e fui tirando inteiras pra fora, e fui espalhando meias pelo chão. Ele levou um susto. Ele levou um tapa. Ele levou as bermudas, as gravatas, as calças largas. Levou do banheiro a loção pós-barba, o xampu anticaspa, as cuecas penduradas. Levou o Rexona, o Azzaro, o remédio para curar a cachaça. Levou da sala as estantes de livros, os DVDs, os não-sei-o-quê da Adminstração; levou o Playstation, o aparelho de som. Levou tomadas e carrapichos, comida enlatada e garrafas pet. Ele levou uma palmada e teve de levar uma pomada, e separou alguns cotonetes. Levou a carteira, o cartão de crédito; a credencial que tinha ele levou. As contas pra pagar, levou algumas; as passagens aéreas, o veículo terrestre, até o aquário levou. O lustra móveis teve de levar, umas roupas sujas pra depois lavar, umas cifras de música pra tirar no violão. Foi andando pela casa e levando as coisas, arrastando os móveis, abrindo portas, deixando voar pela janela. Levou minha fé e a vontade de crer nela. Levou meu café, meu sono, meu cão sem dono. Levou e foi levado – foi realmente um menino levado. Levou-me os cílios num piscar de olhos, as barbas de molho; o meu perdão ele levou também. Só ficou um filho. 

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