"Foi uma paixão aterradora...
Começou na minha infância, na verdade...
Eu a vi de longe... Estávamos no Teatro Municipal de São Paulo; ela dobrava-se amorosamente nos braços de um senhor, e a ele murmurava doces lamentos; ele, por sua vez, com os olhos cerrados, concordava ardorosamente com suas palavras lentamente movimentando a cabeça. Não sei como eu conseguia ouvir seu murmúrio em meio a tanto barulho, mas eu a ouvia perfeitamente! E ao ouvir sua voz aveludada, meu coração se rendeu àquela senhora de estranho porte.
Passado algum tempo, eu, um garoto de apenas 11 anos, fui em busca dela, mas não a encontrava. Porém, um belo dia, estando no mesmo teatro onde a vira pela primeira vez, encontrei o homem que era seu amante, e logo perguntei quem era a bela dama que fazia companhia a ele naquela noite de ópera. Ele respondeu sorridente: - "Ela é minha esposa, Frau Schreiber. Você gostou dela?" Eu fiquei enrubescido, relutei em responder, mas em minha inocência, respondi que sim!
Aquele senhor que tinha um narizinho com a ponta vermelha, ostentava na face uns óculos com grandes aros cintilantes, abraçou-me e sentou-se a meu lado, dizendo: - "Frau Schreiber é muito velha e muito grande para você, menino. Por que você não namora Miss Armstrong?" (apontando para ela, que estava tranqüilamente sentada na cadeira a frente). Eu até que gostei de Miss Armstrong! Ela era delicada, jovial, tinha um corpo reluzente, uma silhueta frágil, sua voz era suave como o uivar dos ventos, como o canto dos pássaros... Mas também dava gritos estridentes quando ficava nervosa!
As minhas primeiras conversas com Miss Armstrong eram truncadas, era necessária muita sutileza no trato... Até que um dia eu descobri o ponto de equilíbrio para nossa relação... Aprendi a amá-la, a ponto de, ao estarmos juntos, parecermos um só corpo aos olhos dos que nos vislumbravam.
Entretanto, devo ser sincero, não esquecia Frau Schreiber...
Um dia, sem que Miss Armstrong soubesse, fui ter com o senhor do nariz de rena, e ansiei por ver Frau Schreiber. Ele, sempre sorridente e compassivo, chamou-a para junto de nós; sentamos em sua sala, comemos bolo de cenoura e tomamos chá de morango, enquanto conversávamos a respeito de meu romance pueril por aquela distinta senhora alemã. Ela não falava português, e nossa conversa fora intermediada pelo senhor do nariz de rena... Eles até que tentaram tirar da minha cabeça aquilo, mas não conseguiram.
Fui resoluto! Insisti em afirmar meu romance por Frau Schreiber... Até que ela teve uma brilhante idéia, que foi comunicada através de seu esposo: - "Frau Schreiber tem uma sobrinha que está vindo da Alemanha, você não gostaria de conhecê-la? Ela é idêntica a tia em todos os quesitos, porém mais nova". Eu me animei com aquela perspectiva e fiquei no aguardo da chegada da moça.
Logo contei toda verdade a Miss Armstrong, e para minha surpresa, a americaninha delicada consentiu humildemente com minha 'bigamia'."
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