Preciosidades

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Chá. Marcelino Freire


Marcelino Freire
Piorou. Hã? Piorou. Hum? Pirou, pirou.
Xaropou. Não diz coisa. Com coisa. A bolacha.
Nada com nada. Coitado! Hã? Coitado!
Fulminante. Deu derrame. A bolacha. Passa.
Ficou caduquinho. Tira a roupa. O quê?
Não estou ouvindo. Dizem que fica nuzinho.
Nu? Nuzinho. Hum, hum. Deve ficar uma graça.
Nuzinho. Só tem osso. De quê? Camomila.
Hã? Não ouço. Ca-mo-mi-la. Obrigado. É a vida.
É a vida. E o que disse o neto? Vovô não volta.
Hum? Não tem melhora. E agora? A manteiga.
Está bom, está bom. Chega. Um pouco quente.
De repente, não foi? Foi. De repente. Pode
acontecer com qualquer. Hum, hã? Passa a
colher. Pois é. Torta. A língua caída. Molenga.
Lembra do outro? Lembra? Biscoito fino.
Quando viu já estava morto. Pimba! Pumba!
Com a cara no chão. A bruxa anda solta.
Meu Deus! O quê? Eu disse que a bruxa
anda solta. Lá vem ela. Hum, hum. Hoje
vamos fazer uma homenagem. Mais alto.
Uma homenagem. O discurso de sempre.
Argh! Nem morreu. Amigos. Hum, hum.
E nhec, nhec. Amém. Plec. É possível que ele 
não resista. Não resista. Blablá. Já não estava
lá essas coisas. Lembra? Hã? Lembro. Mais
um pouco. Obrigado. Não reconhece ninguém. 
Nunca foi o forte dele. O quê? Nunca foi o forte dele. 
Reconhecer. É. Hum. Sei que não é hora. 
Isso não é hora. De falar de boca cheia. Hã, 
hein? Rezemos. Agora mais essa. Lá vem ela. 
Pai-Nosso. Nunca foi um santo. Santificado
seja o vosso nome. Ateu. Silêncio. Parece que
nunca leu o que ele escreveu. Hã? O pão nosso
de cada dia nos dai. Flump. Vapt. Hum. Hum. 
Nhec. De quê? Hã? Frutas vermelhas. Fru-tas
ver-me-lhas. Não tem jasmim? É o fim.
Agradecido. É o fim. E o doce? O que é que tem?
Cadê o docinho? Nhec, nhem, nhum. E o que
mais? Xiii. Mija em tudo que é lugar. Eu disse
que ele mija em tudo que é lugar. Triste. O neto
disse também. Hã, hein? O neto disse também
que ele está tão mal. Mas tão mal que anda 
comendo. Posso falar? O quê? Pirou. Hum, hum. 
Excremento. Como? Cocô. Como? Torcilhão. 
Argh! Veja bem. Não é coisa de falar à mesa, uma 
indelicadeza. Eu avisei. O quê? Eu avisei. Avisou?
Rã. Coitado! Que coisa! Meu Deus! De que é? 
Fios de ovo. Uma delícia, delícia. Obrigado. 
Esse não vai longe. Não vai. O guardanapo voou. 
Meu guardanapo voou. Aqui, ó. Voou. Agora 
deu para ver fantasmas. O quê? Agora ele deu 
para ver fantasmas. Fantasmas? Espectros. 
Fica apontando para o teto. Machado, Machado, 
Machado. Fica chamando pelo Machado. 
O outro pelos anjos do Augusto. Lembra? Credo! 
Sei não. Desta semana ele não passa. Não passa. 
Uma pena! Lamentável! Vai deixar uma grande 
obra. O quê? Eu disse que ele vai deixar uma 
grande obra. É. No meio do caminho tinha uma 
minhoca. E agora? Hã? E agora, o que a gente vai 
fazer? Comer. Hum, hum. E beber. O que tem 
de gente querendo entrar. É. Criticam, criticam. 
Mas querem participar. Hã? Deste nosso chá. 
De quê? De rosas. Chá de quê? De rosas. Todo 
mundo já está de olho na cadeira dele. Na 
cadeira dele. O quê? Eu disse cadeira de rodas. 

P.S.:  Texto transcrito ipsis litteris do livro "Rasif, mar que arrebenta", de Marcelino Freire, 2008, p. 80.

"Para boas palavras, meio-entendedor basta!"

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