Preciosidades

domingo, 22 de agosto de 2010

O mundo civilizado não vive sem a Literatura. Luciana Villas-Boas


Revista Palavra (SESC)  entrevista Luciana Villas-Boas. 

Diretora do maior grupo editorial de obras gerais do Brasil, Luciana VillasBoas sempre nutriu profundo afeto pelos livros. Mas cresceu sem saber se era possível viver de edição. Durante muito tempo, as editoras foram pequenas empresas familiares, com salários muito baixos. Por isso escolheu o jornalismo.

Trabalhando na imprensa até 1995, passou por grandes veículos, entre eles a Rede Globo, o Jornal do Brasil, a revista Veja e a BBC de Londres, sempre mais editora que jornalista. Não encontrava paixão pela notícia, mas o amor pelo livro permanecia inabalado.

Decidiu entrar no mercado editorial quando entendeu o que acontecia em sua cabeça. E, ao longo dos anos na Record, viu a empresa transformar-se em um grande grupo editorial, com três editoras e diversos selos. No seu extenso catálogo de autores, encontramos, lado a lado, o Prêmio Nobel Gabriel García Márquez e Marcio Ribeiro Leite, ganhador do Prêmio SESC de Literatura de 2008, resultado de sete anos de sólida parceria entre a editora e o Serviço Social do Comércio.

PALAVRA - Qual a importância de iniciativas como o Prêmio SESC de Literatura para a produção literária e para a formação de novos leitores?

O Prêmio SESC de Literatura se destaca entre seus similares porque, que eu me lembre, é o único com tamanha amplitude na premiação de inéditos. Sai do eixo Rio-São Paulo, cobrindo todo o país, e dá oportunidade aos criadores e pessoas que apreciam a literatura em diversas regiões do país. O processo se torna ainda mais relevante quando olhado em sua totalidade, somado às demais iniciativas na área da literatura, como as oficinas de leitura e redação, que constroem a base do Prêmio.

PALAVRA - Iniciativas que se multiplicam como o Prêmio SESC de Literatura, jornadas literárias, blogues literários são um indicativo de que há muitos nomes em busca de um espaço no mercado literário?

Certamente. Além de todos esses indicativos, nós sabemos que hoje existe uma capacidade de criação muito grande no país. É claro que, infelizmente, nem tudo pode chegar à publicação, pois nem tudo tem a qualidade necessária. Muitas pessoas escrevem de maneira muito espontânea, sem carregar uma bagagem mínima de leitura pra saber exatamente onde situar o que elas fazem no mapa literário como um todo. Mas nessa imensa quantidade de gente que escreve, que quer se expressar literariamente, há quem saiba fazê-lo realmente. E, mesmo esses, muitas vezes não conseguem chegar à publicação.

PALAVRA - Qual o principal objetivo da editora Record ao assumir o compromisso de assinar o projeto gráfico e distribuição das obras dos vencedores?

O objetivo maior da editora é participar dessa iniciativa tão bonita, democrática e interessante, que é o Prêmio SESC de Literatura. Nós acreditamos que o SESC tem a capacidade de prospectar melhor do que nós, de uma maneira mais ampla. Isso tem se provado verdadeiro nos últimos anos e os resultados têm sido bons.

PALAVRA - Quais são as características que escritores estreantes e inéditos precisam reunir para terem, de fato, uma chance no mercado editorial?

A pessoa que quer ser escritora não pode sair do mundo para realizar a sua vocação. É importante que ela consiga construir a sua volta um público que a aprecie, nos seus locais de trabalho, estudo, onde elas se relacionam normalmente. É muito difícil para o editor dar um tiro no escuro, sem outros instrumentos de avaliação do que está sendo publicado.

É por isso que é natural que a gente publique os livros que já chegam até nós com recomendações de pessoas que nós conhecemos e em cujo gosto confiamos. Esses livros têm prioridade, são mais rapidamente lidos e avaliados e isso faz toda a diferença. É impossível ler tudo que se oferece para a editora. Precisaríamos de uma verba muito grande para pareceres e leituras, e não há como tornar isso viável economicamente. 

PALAVRA - Desde 2003, quando foi formada a parceria entre a Record e o SESC no Prêmio, o que mudou no mercado editorial para estreantes?

Para estreantes não mudou tanto assim. É certo que há uma valorização da literatura brasileira bem maior do que há 10 anos, mas ainda é muito difícil fazer um livro de um autor estreante. Principalmente dos autores que não vêm apoiados por figuras conhecidas ou que vêm de outras regiões do país fora das grandes capitais. Nós não sabemos como fazer para divulgar e vender esses livros. Isso é determinante porque, por melhor que seja a crítica, se o livro não alcança um número mínimo de leitores, é um livro que não deu certo, é um livro fracassado.

PALAVRA – É comum que os novos talentos descobertos pelo Prêmio sigam carreira na literatura?

Sim. Lúcia Bettencourt, vencedora do prêmio em 2005 na modalidade contos com o livro A secretária de Borges, lançou posteriormente Linha de sombra, também pela Record. André de Leones lançou dois livros pela editora, Hoje está um dia morto e Paz na terra entre os monstros. Ambos aparecem como figuras públicas da literatura brasileira desde a premiação. E é isso que nós esperamos do Prêmio: que traga bons autores que permaneçam no nosso catálogo como nomes permanentes.

PALAVRA - Nos últimos anos, a Record — e as editoras em geral — travaram batalhas de milhares de reais nos leilões de direitos. Paralelamente a todo esse investimento nos potenciais best sellers, há um espaço dedicado especialmente às obras nacionais de escritores em início de carreira?

Não sei como isso funciona em outras editoras, mas a Record é a editora que mais trabalha com autores estreantes. Além dos vencedores do Prêmio SESC, temos alguns autores em início de carreira nos quais decidimos investir. Prova disso é a nossa presença na classificação dos prêmios. Nós ganhamos na categoria “estreante” do Prêmio Portugal Telecom de Literatura, por exemplo, e fomos a editora com o maior número de classificados nessa categoria. Em outros prêmios similares, nossa lista de novos autores é sempre extensa.

PALAVRA - E o que isso significa para a Record?

É muito gratificante. É recompensador você ver que está apostando certo, que o nome que você avaliou e no qual apostou como alguém que teria uma contribuição para a literatura brasileira recebeu o aval de júris de especialistas. E muitas vezes encontramos os autores revelados pelo SESC no Prêmio Estado de São Paulo, Passo Fundo, Portugal Telecom etc.

PALAVRA - Um assunto bastante comentado tem sido a relação entre a literatura e as novas mídias e plataformas digitais (Kindle e similares). As editoras já estão preparadas — ou estão se preparando — para as mudanças que virão? O que vai mudar, de fato, na nossa relação com os livros?

Acredito que a primeira plataforma vai continuar sendo o livro. De qualquer forma, nós estamos nos preparando para entrar firme no livro eletrônico e nas plataformas de celular também. Por outro lado, acho que a relação física com o livro ainda é muito importante. É preciso preservar o negócio, e isso significa preservar o autor e a criação também. Não podemos deixar acontecer com o livro o que aconteceu no mercado fonográfico, até porque, se em função do livro eletrônico, o trabalho da edição não for mais rentável, nós vamos ter que mudar toda a nossa concepção de literatura, de como se lê a boa literatura. Nesse cenário, teremos que conviver com erros e a própria língua pode sair sofrendo muito. Mas eu não acredito que a humanidade estará disposta a abrir mão dessa conquista civilizatória que é a literatura.

PALAVRA - Mas o MP3 mudou detnitivamente a relação das pessoas com o CD, por exemplo...

Sim, mas são coisas distintas. A grande vantagem que o MP3 oferece é a possibilidade de escutar infinitas músicas ao longo do dia, e isso não é algo que você realmente busque com relação à literatura. Você pode escutar centenas de músicas em dez dias, mas só lê um livro nesse mesmo período. Pra que carregar mil livros se você vai ler um de cada vez? Essas plataformas têm esse aspecto menos atraente para o livro do que têm para a música. O selo Galera tem um público jovem, com muita intimidade com todos os instrumentos da linguagem eletrônica e, ainda assim, eles sempre compram o livro. Mesmo que já tenham lido eletronicamente, que já tenham feito um download, compram o livro para fazer uma releitura, ou apenas para ter em casa. O objeto livro parece ter uma força maior que o LP ou as fitas K7 e VHS tinham. Eu acredito que o livro vá conviver bem com essas plataformas eletrônicas.

PALAVRA - Algum conselho pra quem nunca foi publicado e encontra no Prêmio SESC a oportunidade para seguir carreira literária?

Tem que escrever livremente.  O momento da criação deve ser preservado ao máximo de qualquer influência externa. Ao mesmo tempo, acho fundamental hoje, a qualquer pessoa que quer ser escritora, cultivar o hábito da leitura. Muita leitura. É por meio da leitura que o indivíduo vai saber situar o que está escrevendo dentro do corpo literário brasileiro e universal, ter consciência clara do que está escrevendo. Hoje você vê muita gente que quer escrever sem nunca ter lido um livro. Agora mesmo estava conversando com um professor que recebeu um original de poesia de um aluno, perguntou o que ele estava lendo, e ele respondeu que nunca tinha lido poesia na vida. Isso acontece muito mais do que nós imaginamos e é bom que se saiba que esse não é o caminho. 
(Grifos meus!)


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