Preciosidades

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Aquele da Ana Flávia. Rodrigo L. Mingori


Assistia a seriados americanos anestesiando-se com uma felicidade extrema. Pessoas bonitas em vidas exuberantemente engraçadas e felizes. Pensava que o mundo era assim. Diferente daquele de sua tia Ortélia “ANA FRÁVIA!! Não lava esses cabelo que o sangue vai subi pra cabeça, desgraça!”. Nunca vira isso na TV. 

Contava vinte e sete anos e não havia gozado na vida. Não por nada, não era virgem. E masturbação era um assunto complicado. Nada contra o ato de se dar prazer, isso até lhe fazia uma falta quando os episódios televisivos era mais calientes, contudo não era acostumada com a fisiologia de sua vagina. Nas poucas vezes em que se tocara, um misto de dor e desilusão cruzou seu pensamento. “Algo está errado, algo está faltando”, pensava.

Aos dez anos de idade passou incontáveis tardes com um pano branco e um litro na cabeça ao pôr-do-sol a mando da tia para “tirar o ar da cabeça” após brincar ao sol da tarde. Nunca vira isso na TV. 

Passava os fins de semana quase todos em casa. Ganhara alguns quilos por seu sedentarismo. Nenhum homem havia se interessado em sua existência mediana. Uma verdade tão natural que já não a incomodava mais. As poucas vezes em que um homem visitou seu íntimo, sentiu-se rasgada, violada, arrombada. Tanto mais por não lhe atribuir o amor necessário para aceitar tal idéia.

Aos doze anos andava de mansinho em casa para que o bolo de sua tia não desandasse. “Vai devagar dentro de casa, Ana Frávia! Se não meu bolo não cresce!!!”. “Larga dessa manga! Num cabô de bebe leite?!”. “Não pisa na sombra dos outros que não presta, Ana Frávia!”. Nunca vira isso na TV.

Pensava, vez por outra, em suicídio. Mas tinha medo. Sua mãe não conseguia comprar os remédios necessários com a baixa aposentadoria que recebia. Sabia que eram situações extremas que a faziam pensar assim.

Cuidava, até depois de velha, para não molhar os pés. Evitando assim, conforme sua tia, resfriados, pneumonias e tuberculoses. Porém, nunca vira isso na TV!

Encontrava, vez por outra, na internet velhos amigos.  Como haviam mudado! Nenhum ricaço. Um ou dois já mortos, pelas intempéries da vida, da violência. Famílias, cachorros. Ana Flávia não ficava triste. Sempre fora cordial e respeitou os demais.

Apaixonou-se sem ter nenhum romance furioso. Nem sentira amores extremos, por isso não lia poesias e suas variantes hiperbólicas. Não fumava nem bebia. Solteira tinha um gato. E não gozava.

Dados do autor : Rodrigo Luis Mingori é escritor, poeta e bacharelando em História.

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