Preciosidades

terça-feira, 9 de março de 2010

O mal de Bartleby. Fábio Calvetti


A Síndrome das bolinhas de papel amassado.


O mal de Bartleby, uma síndrome que faz escritores desistirem para sempre de escrever. Por Fábio Calvetti (Revista Conhecimento Prático – Literatura. Edição nº 22)


Uma reportagem sobre a síndrome de Bartleby poderia começar falando sobre o livro que deu origem a seu nome. Não, seria muito óbvio. Poderia também iniciar-se instigante, citando autores que tiveram a síndrome, como Rimbaud, J.D. Salinger e Juan Rulfo. Não, ficaria bobo. Talvez uma citação polêmica fizesse a abertura perfeita. Por exemplo, Drummond falando “só escreva quando de todo não puder deixar de fazê-lo. E sempre se pode deixar”. Não, talvez nada disso prestasse.


Na verdade, a Síndrome de Bartleby começa como este primeiro parágrafo: uma renúncia à escrita. Essa seria a doença dos escritores, a arte do Não, capaz de fazê-los abandonar a literatura para nunca mais escrever uma página. Muitas das vítimas escreveram clássicos e logo depois demonstraram os sintomas e desistiram das letras. Às vezes por medo, às vezes por achar inútil ou mesmo por uma autocrítica tão mordaz que paralisa qualquer frase.


O caso mais famoso vem do poeta simbolista francês Arthur Rimbaud. Ele começou a fazer poesia aos 16 anos e,com 19 já havia escrito livros importantes, como “Uma temporada no Inferno e Iluminações”. Neste momento, desistiu da literatura para sempre e decidiu viver uma vida de aventuras por países como Alemanha, Sumatra e Chipre. Assim como Rimbaud, muitos outros escritores abandonaram a literatura pelos mais diversos motivos.


O nome da síndrome surgiu a partir do conto “Bartleby, o Escrivão”, de Herman Melville, o mesmo autor de “Moby Dick”. Na história, Bartleby trabalha em um escritório de Wall Street e passa os dias a negar a própria existência. A cada tarefa que recebe, ele apenas afirma “preferia não fazer”.


O personagem que “preferia não fazer” tornou-se sinônimo para “escritores do Não”, por meio do autor espanhol Enrique Vila-Matas. No livro Bartleby e Companhia, ele disseca dezenas de autores que desenvolveram a síndrome e mostra que escrever é uma atividade de alto risco. O narrador da obra é um rastreador de Bartlebys e também sofre do mesmo mal, produzindo uma escrita fragmentária e cheia de lacunas.


Para Vila-Matas, renegar os livros, a escrita e justificar o silêncio requer mais imaginação do que o suicídio. Os escritores para sempre precisam suportar a cobrança e a pressão do público.


Os motivos para renunciar à escrita são variados. Alguns escritores descobrem que as palavras não são suficientes. “Talvez os sentimentos sejam inexprimíveis, talvez a arte seja um vapor, talvez se evapore no processo de transformar o que é exterior em interior”, escreve Vila-Matas.


Manuel Bandeira deixa essa impossibilidade clara em “Último Poema”: “Assim eu quereria o meu último poema/ Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais”. A metalinguagem dos versos mostra que é impossível ao poeta alcançar esse ideal. Alguns preferem desistir da escrita a admitir que o “último poema” é inatingível.


Existem mais razões para o silêncio: a sensação de que tudo já foi dito e só resta repetir, a impressão de que a literatura caminha para o seu fim, a falta de inspiração. Os motivos são infinitos, como deixa claro Bartleby e Companhia. Vila-Matas vai além de demonstrar a incapacidade de certos escritores, ele prova por meio de sua obra que ficar calado pode ser digno e elegante. E nos leva além: faz imaginar o número de clássicos na literatura que nunca foram e nem serão escritos.


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