Preciosidades

quinta-feira, 4 de março de 2010

Uma velhota. Nelson de Oliveira


Era uma velhota já bastante acabada quando abri a porta, boa tarde, ela me disse, boa tarde, respondi-lhe, estou vendendo doces e bolos em fatias, foram feitos agorinha, agorinha, não quer um, seu rosto era redondo e vermelho, igual ao pedaço de bolo que ela trazia dentro de um cesto grande, velho, velho, não havia nenhum sinal de doces ali, não, muito obrigado, agradeci, procurando fechar com delicadeza a porta antes que ela tentasse entrar à força, ela não me disse mais nada, mas fez uma cara triste, deu meia-volta e por um momento, pensei que iria embora, mas não foi, encostou seu nariz no meu, não sei por que você sempre me diz isso, olhe para você, não come bem, quase não dorme, está emagrecendo a olhos vistos, está com um aspecto doentio, pensei em expulsá-la com um objeto qualquer, uma vassoura, um guarda-roupa, você mora sozinho, quando ela me perguntou se eu morava sozinho, logo percebi que aquilo era apenas mais um dos seus truques, seu pé estava muito bem colocado entre o batente e a porta, mamãe, eu gritei, já bastante irritado, pare com essa encenação ridícula, ela sorriu, naquele momento não havia como fechar a porta, deixei que entrasse, fomos logo para a minha cama, acordamos tarde e as últimas fatias de bolo deixamos para comer no café da manhã. (p.44)

Conto transcrito do livro "Naquela época tínhamos um gato e outros contos". Editora Companhia das Letras, 1998.

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