Em teu olhar minha loucura permanece presa, aguardando a noite curta passar, querendo engasgar na paz que zanza dissimulada em teus lábios infantis e assim ensurdecer com teus gemidos encarregados de um verão que me perdeu
Tuas palavras me atiçam, sabem que não posso segui-las, pois teus dentes anseiam por mastigar minha alma, prendendo-a sob tuas colchas brancas, inevitáveis – como um gato faz com os ratos -, sob o fio das tuas unhas, fazendo-me implorar pelo sal do teu cabelo suado
Eu sei, nada aplacará esse jogo de cabra-cega que se estende sobre as armadilhas engatilhadas e dedos efêmeros, incessante, até que meu gosto grude no teu e nada o reparta ou impeça de nos tornarmos derradeiros
Eu sei, meus dedos te desatarão por completo, esquecendo o mal latente do teu olhar, desfraldarei minha alma sobre os teus cadeados, empurrarei minha língua sobre ti, afogando-a em palavras imprudentes; aprendendo tua frieza
Até que, arrebatado pela luz da manhã, surpreendido e sem esperança ou bondade, possa arcar com teus preços, negociar meu pescoço dilacerado, desafiando teu verbo sanguinário, sendo vítima pela última vez: perdido, incompleto, sem me explicar
P.S.: Texto retirado do livro "Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros", de Elrodris, pseudônimo de Paulo Scott, Editora Sulina, 2001.
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