Preciosidades

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Ser escritor é uma merda. Marcelo Mirisola


Mauro Hossepian entrevista o escritor Marcelo Mirisola.

Marcelo Mirisola é tão convencional quanto seus livros, ou seja, nem um pouco. Para entrevistá-lo, tentei o caminho natural. Liguei para a Editora 34, que publicou seu segundo livro, “O herói devolvido”. A resposta: “Olha, você tem que ligar pra casa dos pais dele aqui em São Paulo porque o Marcelo mora numa praia deserta e não tem telefone”. Liguei, falei com o irmão dele. Ele pediu que deixasse o meu número, daria o recado. “Fica tranquilo que o Marcelo liga pra cá dia sim, dia não.” Lá pelas oito da noite do dia seguinte, ele ligou. De um orelhão, com o cartão telefônico já no fim. Marcamos uma nova conversa para o dia seguinte, ao meio-dia, a cobrar. Marcelo Mirisola não tem telefone não por ser excêntrico, mas por não ter dinheiro. Da mesma forma, não tem computador, escreve à máquina. Mora na Praia do Santinho, ao norte da Ilha de Florianópolis (SC), mas gostaria de morar na cidade. “É que praia é mais barato.” Pesca todos os dias. Porque gosta? “Não, pra comer mesmo”. Tem 34 anos e vive de uma mesada de R$300,00 da mãe.” Apesar de tudo isso, continua escrevendo e jamais pensou em arrumar um emprego. Vagabundo? “Não,cara, sou um inválido. Não sei fazer nada a não ser escrever.” Atualmente, está sendo perseguido por um agiota, que lhe emprestou dinheiro para bancar seu segundo livro.

De onde vem essa sua linguagem crua, direta, cheia de palavrões?

Proponho um desafio: tenta substituir os palavrões por outras palavras. Não dá, o texto os exige. É a palavra certa na hora certa. Tudo no meu texto é premeditado, até as gratuidades. É um trabalho de construção, escrever é o meu ofício. Escrevo à máquina, falaram isso pra você?

É fobia da informática?

Não, é por falta de grana mesmo pra comprar um computador. Minha mãe me sustenta.

Você não sente vergonha de ser sustentado pela mãe aos 34 anos?

Sinto muita, fico puto, mas não tem o que fazer. Escrevo porque sou um inválido para qualquer outra atividade. Sou advogado, mas jamais pensei em trabalhar com isso. Fiz só o estágio porque era obrigatório para me formar. Não saberia ser advogado, assim como não saberia ser garçom.

O que você fez logo depois de se formar?

Eu me formei em 1993, em Santa Catarina, e voltei para a casa dos meus pais, em Santos (SP). Aí foi aquela humilhação terrível, aquela cobrança. Diziam que eu era vagabundo, que só gastava dinheiro com putaria etc. Daí eu fui viajar. Fui para onde dava pra ir com pouco dinheiro. A maioria dos lugares era praia.

O conto “Buenos Aires até o fim”, de “O herói devolvido”, se passa em Buenos Aires. Você esteve lá?

Estive, fiquei na casa de uma amiga, não gastava nada.

Quando você começou a escrever?

Comecei a ler e escrever em 1989. Até então não tinha lido um livro. Li “Pergunte ao pó”, de John Fante, e me identifiquei. Daí não parei mais. Aquela coisa de um autor levar a outro. Li (Jean-Jacques) Rosseau, Santo Agostinho, Henry Miller, Céline (Louis-Ferdinand Céline), Reinaldo Moraes e todos os beatniks. Gosto de literatura confessional. Comecei a escrever meu primeiro livro, “Fátima fez os pés pra mostrar na choperia” (Editora Estação Liberdade), em 1992, e ele só foi publicado em 1998, graças à Maria Rita Kehl (escritora e psicanalista), minha amiga, que bancou parte da edição.

E o segundo livro?

O segundo livro entrei (sic) com R$3 mil. Metade disso veio de um carro que tinha e o resto de um agiota. Aliás, estou desesperado porque esse agiota anda atrás de mim.

Você não pagou a dívida?

Não, porra, não tenho grana. Estou de saco cheio dessa história de ser escritor. É só sacrifício. A literatura, antes de tudo, é uma maldição. Ser escritor é uma merda. Saí na “Playboy”, na “Folha de São Paulo”, no “Estado de São Paulo”, mas de que adianta? A grana não aparece e tem um agiota me perseguindo. Precisava me mudar.

Deve gostar de praia, não?

Não, não gosto. Gosto de ver praia, mas não de estar na praia. Moro em praia porque é barato. Se tivesse dinheiro, morava na cidade.

Há quanto tempo você mora em Florianópolis?

Três anos. Queria ir para Argentina ou Uruguai , mas por enquanto não dá. Vivo com R$300 por mês. Puxo rede todo dia.

Gosta de pescar?

Não, pesco para comer mesmo. Minha alimentação é peixe, pirão, salsicha e Miojo.

Você se isola porque precisa ou porque gosta?

Se pudesse escolher, não me isolaria. Não é por prazer, não.

A crítica o apresenta como um bom contista. Conto é o que você mais gosta de ler e escrever?

Não gosto de ler contos, mas romances. Escrevo contos porque ainda não consegui escrever um romance. Escrevi uns romances, mas rasguei todos. Ficaram uma merda. Agora estou escrevendo uma novela. Sigo aquela receita do Guimarães Rosa, que dizia que quando se vai escrever alguma coisa tem que se pensar em construir uma catedral e não um castelo de areia. Quero fazer boa literatura, mas até agora só levei prejuízo.

Quem você gosta de ler?

Nos contos, os melhores são (Julio) Cortázar, Jorge Luis Borges e Dalton Trevisan. Dos romancistas, sem dúvida, em primeiro lugar vem Céline (Louis-Ferdinand Céline). “Viagem ao fim da noite” é o melhor livro que li na vida. Mas tem vários outros. (Charles) Bukowski, Raduan Nassar, Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony...

E o Guimarães Rosa?

Prefiro outro tipo de literatura. Não li “Grande Sertão: veredas”. Outro de que gosto é o Cesare Pavese (italiano, autor de “Mulheres sós”).

Se você tivesse que optar, gostaria de agradar o público ou a crítica?

Quero que meu leitor se foda e a crítica também. Não dá para pensar assim. Até tenho curiosidade em ler o que escrevem sobre meus livros, mas quero que eles se fodam. Todo o mundo ganha dinheiro com isso, o editor, os jornalistas, os críticos, menos o escritor. Fico puto com isso. Não estou falando que escrevo por grana, mas queria o mínimo: poder me sustentar e não ser perseguido por agiota.

Você acha que para ser escritor é preciso viver intensamente, acumular o máximo de experiências possíveis, conhecer vários lugares etc?

Acho que sim. O ponto de partida da ficção é a realidade.

E essa obsessão por sexo em seus textos? Tem alguma relação com suas experiências pessoais?

É uma obsessão mesmo, a palavra é essa. Valorizo o sexo, gosto de chafurdar na libido. Mas sou um cara tranquilo, sou gordinho, uso óculos...

Ao ler seus textos, logo se imagina que o autor é jovem. Uma vez, ouvi uma escritora dizer que bom escritor é aquele cujo texto impossibilita que se saiba qual a idade do escritor. Você concorda com isso?

Acho isso uma bobagem.

Há semelhanças temáticas e de linguagem entre as suas obras e as de escritores de sua geração,como André Sant’Anna e Nelson de Oliveira. Você acredita que há um movimento literário nascendo?

Não, não acho. Há certa afinidade entre a gente porque temos praticamente a mesma idade, mas meu trabalho é diferente do trabalho do André, por exemplo. Ele criou uma fórmula literária que não sei se vai conseguir manter. Tenho uma voz literária, o que é diferente. Prefiro o Nelson ao André.

Você tem alguma meta ou algum projeto em relação a essa novela que está escrevendo?

Para mim, escritor que faz projeto, pesquisa, essas coisas, é picareta.

Você não faz pesquisa para escrever seus livros?

Não. É um processo íntimo.

(Entrevista publicada em julho de 2000, na revista virtual Submarino, transcrito do livro “43 Escritores – Entrevistas na Revista Submarino”, de 2002).

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