Preciosidades

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O marido do Dr. Pompeu. Luís Fernando Veríssimo



Ninguém estranhou quando, depois de vinte e cinco anos
de casamento, filhos criados, a mulher do dr. Pompeu
pediu divórcio. As razões dela eram normais para a época:
não queria mais ser apenas uma dona-de-casa. Queria viver
sua própria vida, estudar psicologia, ter sua própria carreira.
 
Tudo bem. O escândalo, para mostrar como ainda existem
preconceitos, foi quando souberam que o dr. Pompeu, em
vez de outra mulher, arranjara um marido.
— Quem diria, bem? O Pompeu.
A própria mulher foi pedir satisfações.
— Pompeu, você enlouqueceu?
— Por quê?
— Todos estes anos, eu nunca desconfiei que você
fosse. . . desses.
— Desses o quê?
— Você sabe muito bem. Um...

A mulher se calou porque nesse exato momento chegou
em casa o marido do dr. Pompeu. Um homem apenas um
pouco mais velho do que ele, grisalho, ar respeitável. Um
empresário de muito conceito.

— Alô... — disse o marido do dr. Pompeu, um pouco
constrangido.
— Oi! — disse o dr. Pompeu, alegremente.
— Boa tarde — disse a mulher, seca.

O marido do dr. Pompeu foi tomar seu banho, ouvindo
a promessa do dr. Pompeu que o jantar estaria na
mesa num instantinho. Quando a mulher ia recomeçar a
falar, o dr. Pompeu a deteve com um gesto.

— Não é nada do que você está pensando — disse.
— Que eu estou pensando, não, Pompeu. Que todo
mundo está pensando.
— Nós temos um acordo. Eu cuido da casa para ele,
supervisiono o trabalho das empregadas, faço as compras,
faço tudo para que ele tenha uma vida doméstica organizada e feliz.

Em troca, ele me sustenta. Não temos nenhum contato sexual
porque nenhum de nós é, como você disse com tanta eloqüência, desses.
 
— Mas Pompeu...
— Eu não tenho do que me queixar. Meu padrão de vida melhorou.
Ele me dá dinheiro para tudo que eu preciso. Inclusive, aliás,
para pagar a sua pensão. E hoje eu posso fazer o que
sempre sonhei. Não trabalho, não me preocupo com as contas,
com a segurança da família, com todas essas coisas de homem.
E o melhor: quando tenho que descrever minha profissão,
posso botar “do lar”.
— Mas Pompeu!
— E agora me lá licença que preciso tratar do nosso jantar.
Depois do jantar ele vê o Jornal Nacional e eu fico
esperando a hora da minha novela. Passe bem.



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